Entenda o Movimento Red Pill: uma análise à luz de Bauman

Entenda o Movimento Red Pill: uma análise à luz de Bauman

Dentre todos os movimentos políticos a ganhar força recentemente, um dos mais inesperados foi o do movimento Red Pill. Tal como no filme Matrix, esse movimento acredita que a realidade atual de emancipação feminina e combate ao machismo seria falsa, escondendo uma dominância das mulheres sobre os homens. 

Ao ler essa descrição, caro leitor, muitas críticas podem se passar na sua mente. No entanto, não temos como ignorar a força desse movimento: ele é global, organicamente difuso na população, e um número cada vez maior de homens se junta a ele. Isso só é possível se o movimento Red Pill está oferecendo uma solução para os problemas desses homens que nossa sociedade está falhando em identificar. São um sintoma de algo maior. Por isso, qualquer crítica que não reconheça isso ou tente simplificar a situação como “apenas machistas incomodados com a liberação feminina” não apenas vai falhar como também justificará sua visão de mundo, fazendo-os crescer ainda mais.

Logo, é preciso entendermos esse movimento mais a fundo para fazer críticas que de fato o atinjam. E, por isso mesmo, já deixo aqui um disclaimer: este não é um texto a favor do movimento Red Pill, mas sim um texto tentando explicá-lo. Por conta disso, partes dele serão desconfortáveis a alguns leitores, mas necessárias para o entendimento do movimento.

São precisos três passos para entender o movimento Red Pill. Vamos lá?

A CRESCENTE DISTÂNCIA ENTRE HOMENS E MULHERES

Quando uma mulher ouve sobre o movimento Red Pill pela primeira vez, costuma sentir uma gritante diferença entre o que eles pregam e a realidade em que vivem. Afinal, estamos tão acostumados a ver casos de violência física, psicológica, e sexual feitas por homens contra mulheres que é muito difícil para uma mulher visualizar-se numa posição social opressora contra os homens. Muito menos que ela mesma seja essencialmente ruim. Basta lembrar do ex-marido de Ana Hickman (que a teria agredido) fazendo campanha eleitoral em defesa de homens agredidos por mulheres. O sentimento é de que tem algo de errado sendo dito. Algo não condizente com a realidade.

No entanto, o gráfico abaixo oferece um motivo para isso:

Neste gráfico apresentado pelo Financial Times, é possível notar tanto um gigantesco descolamento entre o posicionamento político de homens e mulheres quanto uma exponencial radicalização feminina. Isso significa que a percepção da realidade e o senso comum vividos globalmente por homens e mulheres não são mais os mesmos. 

Vamos refletir um pouco sobre o que este gráfico significa: se você é uma mulher jovem lendo este texto, muito provavelmente defende ideias tão radicais quanto as do movimento Red Pill sem nem perceber. Afinal, como perceberia? Todas as suas amigas também estariam igualmente radicalizadas. Assim, o absurdo se torna consenso e, consequentemente, um senso comum socialmente aceito. 

Um exemplo perfeito disso seria a ideia de que todo homem deveria ser tratado como um “estuprador em potencial”, um ser estimulado pela presença feminina que pode, a qualquer momento, ceder a esses estímulos. É uma perspectiva na qual homem é tratado como um animal e, se numa posição onde a mulher está fragilizada, ele sempre optaria por estuprá-la. 

Essa é uma perspectiva tão corriqueira entre mulheres que, recentemente, viralizou nas redes sociais: quando perguntadas se prefeririam encontrar um homem ou um urso se estivessem perdidas na floresta, inúmeras mulheres responderam que preferiam o urso. O Motivo? O urso iria apenas matá-las, enquanto o homem com certeza as estupraria antes.

É por conta desse descolamento tão extremo que talvez este texto fique estranho. Isso porque os argumentos de ambos os lados são de realidades tão diferentes que precisarei ficar indo e voltando entre perspectivas femininas e masculinas, quase que me auto-refutando constantemente. Afinal, esse é um descolamento potencializado pelo advento das redes sociais na década de 10,  onde as pessoas isolam-se em bolhas para atacarem o que pensam que o outro acredita ao invés de atacarem um ao outro. Para me ajudar nessa análise das relações entre homens e mulheres, usarei também como base a obra “Amor Líquido”, do renomado sociólogo Zygmunt Bauman.

A CRESCENTE DISTÂNCIA ENTRE HOMENS E MULHERES

Segundo Bauman, vivemos na modernidade o “Amor Líquido”, uma cultura amorosa marcada pela falta de compromisso e de profundidade com parceiros amorosos. Onde antes uma relação sexual seria resultado de uma construção de fortes laços e de uma intimidade entre os parceiros, hoje ela muitas vezes acontece já no primeiro encontro. Algo sem nenhum compromisso. Sem nem ao menos chance de se verem novamente. Relações de bolso

E assim é numa cultura consumista como a nossa, que favorece o produto pronto para uso imediato, o prazer passageiro, a satisfação instantânea, resultados que não exijam esforços prolongados, receitas testadas, garantias de seguro total e devolução do dinheiro. A promessa de aprender a arte (falsa, enganosa, mas que se deseja ardentemente que seja verdadeira) de construir a “experiencia amorosa” à semelhança de outras mercadorias, que fascinam e seduzem exibindo todas essas características e prometem desejo sem ansiedade, esforço sem suor, e resultados sem esforço. – Zygmunt Bauman

A internet facilita isso ainda mais com a prática do “ghosting”, onde a pessoa simplesmente deixa de te responder e ignora sua existência. Logo, a pessoa que sofre ghosting é usada e descartada como um mero produto. 

O Amor Líquido é, portanto, um tipo de amor temporário e descartável. Tão corriqueiro quanto mascar um chiclete.

Um excelente exemplo disso é um texto publicado pela ex-colunista da Playboy Bridget Phetasy, onde ela se arrepende de ter sido promíscua. Bridget relata em detalhes como, dos inúmeros homens com quem teve relações, poucos são os que ela não se arrepende. A maioria  deles teria sido um sexo medíocre, sem sentimento/significado ou ambos. E, mesmo quando era bom, o homem dificilmente a chamaria de volta no dia seguinte. Hoje, ela  reconhece como essas relações casuais teriam sido, na verdade, usar o sexo como uma droga para preencher seu vazio  existencial, traumas e inseguranças. Para ela, a epifania veio quando recebeu de um amante recorrente a mensagem “ boa noite, querida, eu te amo” seguida da mensagem “pessoa errada”.

Bridget relata que tentava lidar com a situação repetindo para si mesma que sexo era sobre poder, que era preciso escolher entre ter uma carreira ou ter um relacionamento, e que ser mãe e ter filhos eram uma armadilha. Hoje, ela defende que sexo não teria a ver com poder, mas sim com intimidade, confiança, e vulnerabilidade. Sendo que ao  expor tudo isso a tantas pessoas, muitas vezes bêbada,  acabou por deixá-la sentindo-se vazia, desmoralizada e sem valor. 

Ela ainda defende a liberação feminina da revolução sexual, mas alega que separar o sexo de suas consequências foi algo que beneficiou principalmente os homens. Isso pode ser sentido na reclamação feminina comum de que “hoje em dia é muito difícil encontrar um homem querendo uma relação séria”.

Mas será que o sexo sem consequências realmente beneficiou os homens? Entender isso é o primeiro dos três passos para entender o movimento Red Pill.

O que acontece é que o Amor Líquido de Bauman não é idêntico para homens e mulheres, e um dos primeiros dados apresentados a alguém tendo contato com os Red Pills é o estudo de que, em aplicativos de namoro, apenas 1% dos perfis masculinos é escolhido por 80% das mulheres; assim como outro estudo afirmando de que, homens rejeitam apenas 38.1% dos perfis femininos, mulheres rejeitam 95,5% dos perfis masculinos. 

Claro: não são todas as pessoas que utilizam aplicativos de namoro, então essas estatísticas não refletem a realidade, certo? Não é tão simples assim. Estudos acadêmicos revisados pelos pares indicam que 60% dos homens abaixo de 30 anos estão solteiros, quase o dobro das mulheres na mesma faixa etária, e de que os índices de intimidade sexual entre os gêneros são os mais baixos em 30 anos. Indo além, uma reportagem do The Washington Post em 2018 mostrou um enorme crescimento de virgindade masculina, com 1 em cada 3 homens chegando aos 30 anos ainda virgem

Em outras palavras, o desequilíbrio amoroso visto nos aplicativos de namoro é apenas um reflexo potencializado do desequilíbrio na vida real. 

Num mundo do sexo líquido, os poucos homens que conseguem acesso rápido e fácil a várias mulheres não tem nenhum incentivo social ou cultural para amar suas parceiras ou se comprometer. Isso, na sociedade líquida, é visto como uma prisão. Inclusive, surgem até nixos de relacionamentos abertos e a poligamia, os quais tentam equilibrar relacionamentos estáveis com a liquidez sexual.

Já o resto dos homens, os 95% rejeitados, não apenas não têm mais acesso a relações amorosas e sexuais como também nem teriam mais sequer as oportunidades para desenvolver um repertório relacional ou experiência sexual, tornando-se assim os chamados incels (celibatários involuntários). E ninguém liga.

A sensação de abandono causada por isso é imensa, e dá lugar ao ódio quando contrastada com os constantes incentivos culturais e sociais do sexo líquido. Ódio esse que é ainda mais potencializado e justificado pela estatística de que 70% dos divórcios são pedidos pelas mulheres.

Aos olhos deles, a maior parte das mulheres estariam na mão de poucos homens, tendo uma vida de prazer e promiscuidade líquidos construída por cima do sofrimento de uma legião de homens rejeitados. 

Tendo entendido isso, vamos ao segundo passo.

VALOR SEXUAL, VALOR AMOROSO 

Os mantras repetidos por Bridget Phetasy para lidar com sua situação eram de que “sexo era sobre poder”, “é preciso escolher entre ter uma carreira ou ter um relacionamento”, e “ser mãe e ter filhos eram uma armadilha”. Esses mantras surgem da revolução sexual, e precisam ser entendidos neste contexto: antes do surgimento dos métodos contraceptivos, era extremamente provável que uma mulher engravidasse já antes dos 20 anos. Sua oportunidade para se desenvolver profissional e acadêmicamente era extremamente reduzida, resultando em homens ocupando os cargos de poder. Isso, somado às lutas sociais que vieram em seguida, fizeram com que as mulheres passassem a ter mais opções de futuro do que apenas serem mães ou donas de casa.

No entanto, a menopausa entre os 30 e 40 anos não foi eliminada, dando início a um novo mito fundador feminino: “há uma carreira de sucesso te esperando, mas a sociedade machista a impede. Você tem até os 30 anos para assegurar que terá essa carreira de sucesso a tempo de ter filhos. Caso contrário, não terá como se manter e será uma dona de casa”.

Nesse novo mito, a mulher de carreira é exaltada e a mãe é demonizada. Ser mãe é interpretado como sinônimo de dona de casa, que é interpretado como sinônimo de fracasso. A mulher que fica em casa e tem filhos ao invés de uma carreira de sucesso seria uma prova de fracasso, e o sexo seria a ferramenta libertadora pela qual se afirma livre. Por conta disso, muitas mulheres optam por adiar a construção de um relacionamento para depois de terem conseguido o sucesso em suas carreiras.

À luz de Bauman, porém, isso é uma armadilha. Isso porque um relacionamento estável não seria como um produto que você consegue obter rapidamente depois, quando se está pronto. Ele é algo sólido, fruto de uma longa e cuidadosa construção emocional entre os parceiros. É uma realidade que torna o esforço feminino por uma carreira ainda mais cruel: a carreira de sucesso e o relacionamento estável, via de regra, necessitam ser construídos ao mesmo tempo durante o início da vida adulta. E isso deve acontecer sem que a mulher engravide, pois ter o primeiro filho antes de solidificar sua carreira irá tomar-lhe um tempo precioso que pode impedi-la de realizar seus sonhos.

Se esse relacionamento sólido não for construído até os 30 anos, mulheres que investiram todo seu tempo na carreira se deparam com uma realidade cruel diferente: 33% das mulheres de carreira nos EUA (executivas, doutoras, advogadas, acadêmicas, etc.) entre 41 e 55 anos não tem filhos, com esse número subindo para 42% quando visto nas maiores empresas americanas. E isso levando em conta de que a maior parte delas tem interesse em ter filhos, mas não consegue por “razões além de seu controle”

É um estigma social de que, assim que uma mulher faz 30 anos, ela começa a ser menos procurada e desejada por parceiros numa velocidade assombrosa. Estigma esse que não se reflete nos homens que vivem o sexo líquido, afinal eles podem simplesmente descartá-las e substituí-las pelas mulheres jovens começando sua vida sexual agora e “querendo se descobrir”.

Para piorar, agora restam a essas mulheres mais velhas poucos anos para construir um relacionamento do zero a tempo de ainda conseguir ter filhos. 

E chegamos então ao segundo passo para entender o movimento Red Pill: esses homens vêem muitas das mulheres que os rejeitaram e abraçaram uma vida sexual intensa agora buscando urgentemente um relacionamento estável com um homem perfeito capaz de ser o pai de seus filhos.

Em outras palavras, é como se eles estivessem ouvindo que todos aqueles outros homens puderam dormir com ela sem nenhuma dificuldade ou compromisso, mas que eles têm de merecer e se esforçarem para conquistá-la. O milésimo da fila que deveria amá-la como se fosse o primeiro. Não porque ele em si tenha qualquer valor ou mereça ser amado, mas sim porque ou a idade a fez menos desejavel sexualmente para os outros homens, ou porque ela cansou-se do sexo sem compromisso. Um prêmio de consolação.

Imagem viral usada pela propaganda Red Pill. “Gang Bang” é o nome dado a orgias de múltiplos homens com apenas uma mulher

Agora isso significa que uma mulher não tenha direito a ter um passado? Que apenas por ter tido relacionamentos passados ela se torna indesejável como esposa ou mãe? Não. Claro que não! Esperar na sociedade atual que uma mulher acerte de primeira o seu parceiro ideal e faça sexo com ele apenas após casar-se é muito injusto com as mulheres. E isso precisa ser explicitado justamente porque ter tido parceiros anteriores é um estigma social feminino muito forte. Inclusive, mesmo quando ela tenha feito sexo apenas com uma pessoa, saberem que ela o fez pode ser suficiente para que a tenham socialmente como “vadia” e a tratem como lixo.

Entretanto, lembra do descolamento do gráfico? Homens e mulheres estão cada vez mais embolhados entre si, de modo que não haja uma mulher na vida deles que possa lhes ensinar essa nuance. Eles estão vendo apenas casos extremos de mulheres que festejam terem transado com 50, 100, 200 homens diferentes e que ativamente os humilham por não conseguirem ninguém. E quando as veem agora tentando fazer um “rebranding” pessoal como se isso nunca tivesse acontecido, são apenas outros homens fazendo-lhes companhia. Homens igualmente machucados alimentando o ressentimento um do outro num ciclo vicioso.

Claro que essas mulheres do meu exemplo também têm direito a terem um passado. Porém, como disse uma vez o comentarista político britânico Carl Benjamin, “a mulher é quem decide o sexo, enquanto o homem é quem decide o relacionamento”. Ou seja, assim como um homem pode dar todo esforço e carinho do mundo para uma pretendente sem que ela nunca queira transar com ele, uma mulher pode dar todo sexo do mundo a um homem sem que ele nunca queira assumí-la num relacionamento. 

E essa relação se inverte ao longo da vida adulta: da mesma forma que é muito difícil encontrar uma boa namorada após os 20 anos que ainda seja virgem, é muito difícil um bom homem após os 30 que já não seja comprometido. Enquanto antes eram os homens jovens que tinham dificuldade em encontrar parceiras de sua idade, pois elas se relacionavam com homens mais velhos; agora essa dificuldade estaria com as mulheres mais velhas, cujos homens da mesma idade procuram moças mais novas.

Imagem de propaganda Red Pill, traduzida do inglês

A sociedade pré revolução sexual lidava com isso focando em usar a época mais sexualmente atrativa das mulheres para garantir-lhes uma estabilidade antes do sexo; enquanto a sociedade do Amor Líquido as incentiva a usarem esse período para terem uma vida sexual ativa intensa (chamada pelos Red Pills de “subir no carrossel”) na qual elas iriam “se descobrir”, deixando para que elas busquem um relacionamento estável apenas depois que a idade torne esse tipo de vida inviável. 

Um exemplo disso é o caso de Jordana Vucetic, a influencer evangélica de Tik Tok que chamou atenção da mídia ao revelar que ela e o namorado não faziam sexo e não fazeriam até que se casassem, seguido de seu ex vazar vídeos pornográficos deles fazendo sexo quando ainda estavam juntos. O caso de Jordana não é emblemático por sua idade, afinal ela nem tinha 20 anos quando isso aconteceu, mas pela forma como os Red Pills trataram a situação: além de ela ser chamada de todos os nomes possíveis, seu namorado começou a receber mensagens pedindo para que ele terminasse com ela, pois ela estaria supostamente transando com inúmeros homens enquanto fazia com que ele a sustentasse sem poder tocá-la. 

Mas por que eles acreditariam nisso? Por que é o movimento Red Pill que chama a atenção dos homens e não um movimento que os ensine a serem seres humanos decentes que tratam as mulheres com respeito? Bem… é porque isso já foi tentado, e entender isto é o terceiro passo.

DE JORDAN PETERSON A ANDREW TATE

Em 2016, o professor doutor Jordan B. Peterson tornou-se uma personalidade mainstream após suas aulas universitárias viralizarem nas redes. E embora ele nunca tenha feito isso mirando no público masculino, as mensagens de Peterson, seguidas pelo livro “12 Regras para a Vida: Um Antídoto para o Caos”, atraíram uma legião de homens em busca de sentido para suas vidas. Peterson ensinava homens a assumirem responsabilidade por seus atos, tratar os outros ao seu redor com respeito, e arrumar seus próprios problemas antes de querer mudar o mundo. Ao ser perguntado porque sua mensagem ressoava tanto com os homens, ele respondeu que era porque mais ninguém estava ouvindo-os.

Jordan Peterson era um acadêmico de renome, pelo qual os homens estavam aprendendo sobre arrumarem suas vidas e se tornarem a melhor versão de si mesmos. No entanto, existir uma voz para os homens foi uma coisa que incomodou profundamente a esquerda identitária, conhecida como woke. Em resposta, Peterson passou a ser tratado como um ícone do discurso de ódio e da supremacia branca.

Exemplos disso não faltam, com a famosa entrevista de Katty Newman reinterpretando tudo o que ele dizia em má fé e até mesmo com a Marvel retratando-o como o personagem nazista Caveira vermelha. Meu exemplo favorito, porém, é o da estudante universitária Lindsay Shepherd: Lindsay era assistente de um professor na universidade de Laurier, e mostrou em aula um vídeo de Peterson junto a outro para que os alunos tivessem uma perspectiva de ambos os lados. Por conta disso, foi repreendida por um conselho disciplinar por horas, com os professores lhe dizendo que reproduzir neutramente um discurso de Jordan Peterson era tão perigoso e inaceitável quanto um discurso de Hitler. 

A pressão diária que sofreu por todos os lados, seguido do câncer de sua esposa, colocou Peterson num profundo estado de depressão, seguido por uma dependência de antidepressivos que o fez se retirar do discurso público por alguns anos. Enquanto isso, outro homem ocuparia o seu lugar: Andrew Tate.

Quem é ele? Um ex kickboxer muçulmano, ex-bbb, coach, e dono de uma empresa pornô. Tate passa mensagens sobre masculinidade ostentando riqueza e seu harém de mulheres, enquanto aguarda em liberdade um julgamento por tráfico humano, estupro, e formação de quadrilha. 

O discurso de Tate interpreta homens como naturalmente poligâmicos (buscam com várias mulheres) e mulheres como naturalmente hipergâmicas (buscam apenas homens com maior status social e dinheiro do que elas). A partir disso, ele constrói seu estoicismo: Para Tate, o mundo atual de igualdade entre os sexos seria feminizado e emasculado, defendendo então que mulheres voltem a ficar em casa. Ele vê homens como ser dominantes e mulheres, submissas. O homem, portanto, deveria ser estóico e nunca demonstrar fraqueza pois, se suas parceiras perceberem-os como fracos, elas o trairiam com outro homem e o abandonariam. A mulher, sob o ponto de vista de Tate, nada mais seria do que uma “propriedade sexual” do homem, conscientemente o traindo se ele falhar em sua dominância.

De repente tudo faz sentido, não? A péssima opinião do movimento Red Pill sobre as mulheres foi moldada por um dono de empresa pornô condenado por tráfico humano. E isso apenas aconteceu porque aqueles que tentaram olhar para a questão masculina foram ridicularizados e demonizados por fazê-lo. 

Olha a gravidade disso: homens jovens como um todo estão tendo uma crise de solidão e abandono. Nessa crise, Andrew Tate aparece como a única pessoa que ouve suas dores e oferece a eles um caminho de esperança. Caminho esse que vê as mulheres como más e  aproveitadoras na sua essência, que podem traí-lo a qualquer momento se demonstrarem fraqueza e que devem ser tratadas apenas como propriedade.

Eu não tenho nem palavras para descrever o quão errado isso é. No entanto, remover Tate da equação não resolveria nada, pois o problema masculino ainda existe. Afinal, assim como Tate preencheu o vácuo deixado pela destruição de Jordan Peterson, outra pessoa ainda pior assumiria o lugar de Tate. Quanto mais ignoramos esse problema e fingimos que não existe, mais os seus sintomas pioram.
É possível enfim entender os três passos que levam um homem ao movimento Red-Pill.

  • A sociedade em que vivemos hoje é hipersexualizada, incentivando à mulheres jovens o sexo líquido como forma de libertação. Esse sexo, no entanto, é concentrado em uma quantidade baixíssima de homens, com a esmagadora maioria dos homens jovens ficando de fora disso. Eles não apenas se tornaram incapazes de terem parceiras sexuais como também de sequer começar uma relação que possa resultar nisso. 
  • Quando esses homens vêem as mulheres buscando um relacionamento, costumam ser mulheres mais velhas que já transaram com dezenas ou centenas de outros homens, mas agora buscam estabilidade. Ou seja, não porque eles teriam algum valor a ser conquistado, mas porque seriam um prêmio de consolação. 
  • As vozes femininas em suas vidas que poderiam mostrar-lhes outro caminho praticamente não existem, pois as mulheres estão sendo radicalizadas no sentido oposto e passando a vê-los como opressores, agressores, e possíveis estupradores antes de como seres humanos. As vozes masculinas tentando desradicalizá-los são demonizadas como nazistas e caladas. Nesse vácuo de sentido, o discurso de Andrew Tate ressignifica a situação em que vivem e ensina-os a ver a mulher como um ser intrinsecamente mal que deve ser domesticado e como alguém que irá abandoná-los no primeiro sinal de fraqueza.

E é entendendo esses 3 passos que podemos realmente criticar o movimento Red Pill. Outras abordagens, como dizer que os homens precisam de terapia ou que seja errado eles terem de aprender a não chorar são apenas paliativos ao real problema. Afinal, como disse Ayn Rand, podemos ignorar a realidade, mas não as consequências de ignorar a realidade. 

O movimento Red Pill nada mais é do que um sintoma do seríssimo problema de solidão e perda de sentido afetando os homens. Se nos recusamos a ouví-los e calamos as vozes mais moderadas que tentam ajudá-los, não podemos reclamar de Andrew Tate por suprir esse vácuo da pior maneira possível. Sabia que a estatística da virgindade masculina, por exemplo, voltou ao normal em 2022? Os Red Pills não vão saber e continuar a acreditar na estatística antiga, porque estamos os ignorando. 

Essas conversas precisam de acontecer. E eu sei que isso vai ser um saco. Não apenas porque os argumentos Red Pill são alguns dos mais odiosos possíveis, como também porque os dados mostram uma radicalização igualmente ruim nas mulheres, que não percebemos por ser socialmente aceito. Os homens E mulheres biológicos precisam ser desradicalizados, o que significa que não temos uma perspectiva neutra para nos basear.

Ainda assim, essas conversas precisam acontecer, e precisam abordar a questão masculina de forma sincera. Uma pessoa além de Jordan Peterson que vejo com bons olhos nessa luta é a feminista Jennifer Siebel Newson com seu documentário “The Mask You live In” (a máscara em que você vive). Neste documentário, ela deixa sua ideologia de lado e foca nos traumas e expectativas irreais que homens sofrem da sociedade.

Trabalhos como os de Jennifer e Peterson, que focam na conscientização dos problemas masculinos e no oferecimento de um caminho melhor, precisam continuar a crescer antes que discursos como os de Tate possam diminuir. Homens não são todos estupradores em potencial e mulheres não são todas aproveitadoras promíscuas interesseiras. Somos ambos seres humanos e precisamos literalmente um do outro para continuar existindo.

Acima de tudo, essas conversas precisam acontecer.


Paulo Grego

*As opiniões do autor não representam a posição do Damas de Ferro enquanto instituição.


Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *