Se você perguntar a uma pessoa com experiência em discussões políticas ou na defesa de políticas públicas qual é a melhor maneira de defender suas ideias, ela provavelmente dirá: “use dados, estudos e exemplos de suas ideias funcionando no mundo real”. Este pensamento foi bastante aplicado durante a pandemia, quando todos os lados citaram os estudos e estatísticas que apoiavam o que eles achavam que deveria ou não ser feito para conter a disseminação do vírus. Apesar da definição do que constitui um curso de ação como “funcional” ser um problema por si só, ainda assim surge a pergunta: a ciência pode nos dizer o que fazer?
Para responder a essa pergunta, é preciso primeiro entender o que é ciência. Embora essa pergunta tenha sido feita por diversos pensadores diferentes ao longo dos séculos, que deram muitas respostas diferentes, para os fins deste artigo, podemos definir como científica qualquer área de conhecimento que use o método científico. A ciência é, então, o conjunto de todas essas áreas. Por fim, o método científico é um método para testar hipóteses e modelos teóricos usando dados empíricos.
Aí está o primeiro problema. O processo de coleta e análise de dados deve ser cuidadosamente pensado e seguir muitas diretrizes importantes. Nenhuma medição é perfeita, pois está sujeita a várias fontes de erros, tanto sistemáticos quanto estatísticos.
Os erros sistemáticos ocorrem quando há um problema fundamental na forma como os dados são coletados e os resultados não são indicativos do que se pretendia. Se, por exemplo, alguém considerar que o atrito é insignificante em um experimento, mas houver, na verdade, uma fonte significativa de atrito não contabilizada, os dados não refletirão o que deveria ser medido. A maneira de lidar com esse tipo de erro é controlar o máximo possível o ambiente de coleta de dados, certificando-se de que tudo o que possa afetar os resultados seja compreendido e que todas as principais variáveis tenham sido isoladas de influências externas. É muito difícil garantir que não haja erros sistemáticos em um experimento, e os cientistas sempre encontram problemas como estes que precisam ser resolvidos.
Por outro lado, os erros estatísticos ocorrem não quando há problemas fundamentais com a coleta de dados, mas quando algo interfere nos resultados por mero acaso. Suponha que uma leve brisa tenha passado durante uma medição ou que um dia tenha sido excepcionalmente quente ou frio. Às vezes não há como eliminar essas influências aleatórias. Entretanto, o que pode ser feito é repetir as medições várias vezes. Afinal, se esses erros forem aleatórios, um grande conjunto deles se anulará, deixando o valor médio como a melhor estimativa para o que estava sendo medido.
Quando essas considerações são aplicadas, o problema de usar esse método para justificar determinadas políticas se torna evidente. Claro, ele funciona muito bem quando é possível construir vácuos quase perfeitos, ter ambientes com temperatura e pressão constantes e repetir as medições trilhões de vezes, como acontece em algumas áreas das ciências naturais. Mas quando se está tentando entender os efeitos da maioria das políticas na sociedade, isso é simplesmente impossível. Na maioria dos casos, não é possível sequer listar todas as diferentes variáveis que podem influenciar os resultados, muito menos isolá-las do teste ou entender como elas interagem entre si e com o que será medido. Depois disso, há a questão de que as políticas só podem ser implementadas uma vez, impossibilitando levar em conta quaisquer erros estatísticos. Isso significa que é impossível entender as consequências dessas ações, ou argumentar a favor ou contra elas? Não. Significa apenas que a ciência não é a ferramenta certa para o trabalho.
Mas mesmo que fosse possível superar todos esses problemas – talvez a discussão seja sobre uma questão médica, em que ensaios clínicos duplo-cegos randomizados são possíveis, ou sobre uma questão de ciências naturais, como o aquecimento global – o maior problema ainda permanece: em nenhum momento do processo científico são construídos julgamentos de valor sobre hipóteses. Esse é o erro que a maioria das pessoas comete ao usar dados em argumentos políticos. Elas presumem que as consequências do que propõem são intrinsecamente boas e, portanto, qualquer pessoa que entenda essas consequências deve apoiar seu curso de ação. Na realidade, esse é um julgamento de valor que elas impuseram e que não decorre logicamente dos resultados científicos.
Um bom exemplo disso é a declaração: “Fumar tomará vários anos de sua vida. Portanto, você não deve fumar”. De fato, há evidências incontestáveis que comprovam os problemas de saúde associados ao fumo. A conclusão, no entanto, só é válida se a pessoa valorizar mais esses anos perdidos sem fumar do que uma vida mais curta em que possa fumar, o que pode não ser o caso. Nenhuma quantidade de dados científicos dirá qual pessoa está certa, pois isso depende de como cada um atribui valor às consequências de fumar ou não fumar.
Se a afirmação fosse reformulada, poderíamos ver o mesmo erro ocorrendo em um argumento político: “Fumar vai tirar vários anos da vida das pessoas. Portanto, deve ser ilegal”. O que dá a alguém o direito de dizer o que as pessoas podem ou não fazer com suas próprias vidas? O que justifica o uso do dinheiro do contribuinte para impor a proibição? Por que todas as consequências não intencionais da proibição, como a formação de mercados negros e organizações criminosas, valem o custo? Agora, poderíamos tentar responder a essas perguntas em favor da política, mas essas respostas não virão dos dados que mostram os problemas de saúde causados pelo tabagismo. Porque a ciência não tem nada a ver com julgamentos de valor.
Portanto, para concluir, vamos voltar à pergunta do início: a ciência pode nos dizer o que fazer? Não, não pode. A ciência pode, em algumas circunstâncias, nos dizer algumas das consequências de alguns cursos de ação. Mas nunca qual deles tomar.
Artigo Original: How Science is Misused in Political Arguments
Autor: Gabriel Lemos
Tradução: Henrique Souza Oliveir
Revisão: Suellen Marjorry