Caminhos e Descaminhos da Liberdade

Caminhos e Descaminhos da Liberdade

E, uma vez que se descobrisse que a liberdade é inerente à ordem do universo, a lógica acabaria por perguntar por que nem todos os homens eram livres.

Isabel Paterson

Seria a liberdade, assim como a Salvação cristã, um ato individual? Ora, para ser livre, basta a ação de um, em detrimento do todo? Eis uma questão para debruçar-se e, quiçá, perambular em vão pelos próprios pensamentos e chegar a nenhuma conclusão.

Certa vez, ouvi de um amigo descendente de suíços, que na capital do chocolate seria muito difícil de construir ou reformar casas. Isso porque, dizia ele, para que você mudasse, por exemplo, a cor das paredes externas da sua residência, teria de comunicar sua vizinhança a fim de saber se eles estariam de acordo com a mudança desejada. Não sei da veracidade desta informação: procurei, procurei e nada encontrei. Todavia, desde que me foi dita, pus-me a refletir: é moral eu não poder modificar minha própria casa sem o consentimento dos vizinhos? Ou ainda: seria moral eu modificar minha própria casa de modo que tirasse a harmonia arquitetônica do bairro? De um lado, há a minha liberdade de fazer o que quiser da minha propriedade sendo ferida; do outro, há a liberdade de ter uma paisagem bela e harmônica, de meus vizinhos, sendo aviltada. O que fazer?

Mergulhando nesse debate, procurei argumentos que pudessem fortalecer ambos os lados, e será de minha intenção expô-los aqui para que o leitor tire suas conclusões. A questão central pode ser definida como Liberdade Individual X Beleza X Liberdade Individual (dos vizinhos).

Adentrando na questão da importância da Beleza, o filósofo britânico Roger Scruton defende em livros e em documentários que a importância da beleza é um valor moral. Ele afirma que a busca pela beleza é uma parte essencial da vida humana e contribui para o florescimento de nosso espírito. Através da apreciação da beleza, ele acredita que podemos

experimentar uma forma de transcendência e conectar-nos com algo maior do que nós mesmos. Partindo desse princípio, aviltar contra a beleza seria imoral.

Porém, há igualmente imoralidade no ar quando uma liberdade individual é desrespeitada. Nesse caso, a filósofa canadense Isabel Paterson, em seu livro The God Of The Machine, mostra-se uma intransigente defensora da liberdade – seguida, evidentemente, da vida e propriedade. Nele, a autora faz um apanhado geral da liberdade em seus mais diversos âmbitos. Desde a economia até às questões individuais – e nestas, ela põe o indivíduo como soberano, ou, noutras palavras, menor minoria, por isso a necessidade de defender seus direitos acima de tudo.

Mas, como a liberdade é o princípio maior a ser defendido, Paterson, assim como Ayn Rand, tem visões que podem chocar aqueles que não estão familiarizados com o que convenciona-se chamar de “libertarianismo”. Por exemplo, a questão da pobreza. Para ambas as autoras, a pobreza é, antes de um problema, uma questão natural da humanidade. O ser humano nasce pobre. Cabe a ele, porém, e somente a ele, mudar isso. Nenhum partido ou Estado terá a capacidade de modificar a natureza humana. Por isso, é condição sine qua non para a prosperidade dos indivíduos a não-intervenção do Estado.

Para melhor pintar o quadro das visões de Paterson e, a fim de polemizar, trarei aqui a questão da discriminação. A autora acredita que a segregação racial vista dos Estados Unidos do século XX é, antes de tudo, uma questão de ordem de escolha pessoal, prezando a liberdade de associação. Nesse sentido, o dono de um restaurante de comida japonesa, por exemplo, haveria de ter o direito de contratar somente funcionários de etnia japonesa, se ele próprio quisesse. É claro que essa visão intransigente de liberdade não seria vista com bons olhos por alguns setores da sociedade civil, por isso Paterson fora alvo de críticas em determinados momentos, mas manteve-se fiel aos seus ideais.

Tendo posto tais argumentos e voltando à questão inicial dos suíços, me parece que a liberdade de escolha do cidadão que quer reformar sua casa, visto que esta é sua propriedade, põe-se acima da liberdade de ter uma bela paisagem dos seus vizinhos. Afinal, uma vez que os vizinhos se sobrepusessem ao dono da casa, estariam violando seu direito à propriedade, enquanto que, por mais que na outra ocasião a busca pela beleza fosse freada, nenhum direito seria desrespeitado.


*As opiniões do autor não representam a posição do Damas de Ferro enquanto instituição.

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