Brasil império: o auge da política brasileira?

Brasil Império; o auge da política brasileira?

Uma proposta legislativa recentemente sugerida poderia abrir caminho para o retorno da monarquia no Brasil. Mas será que essa medida poderia realmente resolver os problemas que enfrentamos como nação?

A ideia, embora inusitada, não é apenas uma especulação fantasiosa, e sim uma proposição formal que merece atenção. Um cidadão paulista, identificado como Ignêr, submeteu ao portal e-Cidadania uma proposta legislativa que busca a realização de um plebiscito em 2026. O objetivo? Nada menos que restaurar a monarquia no Brasil. No entanto, a sugestão não entra em detalhes sobre os moldes dessa monarquia ou sobre os poderes que seriam atribuídos ao monarca.

Apesar da falta de clareza, a proposta recebeu o apoio de mais de 30 mil cidadãos, atingindo o número necessário para ser encaminhada ao Parlamento. Agora, cabe à Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal decidir se essa ideia avançará ou não no Congresso Nacional.

Antes de mais nada, é importante esclarecer um ponto essencial: o autor da proposta fala em restaurar uma monarquia parlamentarista no Brasil. Porém, historicamente, o Brasil nunca experimentou um regime monárquico parlamentarista nos termos modernos, como os que vemos na Inglaterra, Espanha ou Dinamarca. Dom Pedro II, por exemplo, detinha um poder significativamente maior do que qualquer monarca parlamentarista de seu tempo, como sua contemporânea Rainha Vitória, do Reino Unido.

Com esse ponto elucidado, podemos prosseguir com a análise da proposta.

Segundo o proponente da ideia legislativa, o sistema republicano presidencialista no Brasil não tem se mostrado eficiente. Além disso, ele argumenta que o governo republicano gasta anualmente enormes somas para garantir apoio político no Congresso Nacional. E, de fato, é inegável que a compra de apoio político infelizmente é uma realidade latente no Brasil. Contudo, a proposta sugere que esse problema seria resolvido em uma monarquia parlamentarista, o que, à primeira vista, é uma afirmação um tanto quanto questionável.

A ideia central seria eliminar a figura do Presidente da República, substituindo-o pelo Imperador. O povo continuaria a eleger o parlamento, mas, curiosamente, também o primeiro-ministro, algo um tanto peculiar dentro de um regime monárquico parlamentarista tradicional. Ainda assim, vale lembrar que, até o momento, essa proposta não passa de uma especulação, e mesmo com suas lacunas conceituais, podemos nos permitir imaginar como seria uma hipotética restauração da monarquia no Brasil.

A primeira questão que surge é: quem ocuparia o trono imperial? Afinal, o título seria de Imperador, como no passado, ou o novo monarca seria chamado de Rei do Brasil? Hoje, a sucessão ao trono está dividida entre dois ramos da antiga família imperial: o de Vassouras e o de Petrópolis, ambos reivindicando a legitimidade sobre o trono. No entanto, o ramo de Vassouras é amplamente reconhecido pelos monarquistas brasileiros como o mais legítimo, de acordo com as antigas leis de sucessão do Império. Nesse cenário, o herdeiro direto do trono seria Dom Luiz de Orléans e Bragança, que, embora nunca tenha se casado ou tido filhos, passou a linha sucessória para seu irmão, Dom Bertrand de Orléans e Bragança, atual chefe da família imperial desde 2022.

Dom Bertrand, ativo defensor da causa monarquista, tem grande prestígio dentro do movimento, mas sem títulos que lhe conferissem poder político significativo além de seu laço de sangue. Com a chefia da casa imperial (ou real) resolvida, outra questão emergiria: quais seriam os poderes do monarca? No antigo Império Brasileiro, o Imperador detinha o chamado “Poder Moderador”, uma função que não encontra paralelo nas monarquias contemporâneas, como a britânica, por exemplo. A proposta atual parece sugerir um arranjo diferente daquele que vigorou no século XIX no Brasil, o que certamente seria motivo de intensos debates, caso a restauração monárquica fosse aprovada em plebiscito.

E isso nos leva à seguinte questão: será que o período imperial pode realmente ser considerado o auge da política brasileira? E afinal, quais seriam as vantagens e desvantagens de tal modelo?

A história política do Brasil durante o Império é frequentemente lembrada como um período de estabilidade institucional e crescimento econômico, mas também foi marcada por tensões internas e desafios à sua legitimidade. A pergunta que surge é: o Brasil viveu, de fato, o auge de sua política durante o Império, ou os problemas latentes minaram essa aparente estabilidade?

Raízes históricas da política brasileira 1° reinado

A Proclamação da Independência em 1822 foi um marco de consolidação do poder político brasileiro, mas ao mesmo tempo, lançou as sementes de um modelo político que misturava elementos liberais e em certa medida, autoritários. Sob o governo de Dom Pedro I, o Brasil consolidou seu território e autonomia, mas enfrentou dificuldades com a centralização do poder, afastando o imperador  tanto da população mais pobre quanto da elite, e culminando na abdicação de Pedro I em 1831.

Figuras de destaque desse período, como José Bonifácio de Andrada e Silva, desempenharam papéis fundamentais na formação do Brasil independente. Conhecido como o “Patriarca da Independência”, José Bonifácio foi um dos principais articuladores políticos da emancipação do Brasil, além de um grande defensor da unidade territorial do país. Ele também promoveu debates importantes sobre questões sociais, como a abolição gradual da escravidão e a formação de uma sociedade mais justa.

Ele desempenhou um papel fundamental na organização das bases do novo país, tanto no campo jurídico quanto político, promovendo reformas que visavam a modernização do Estado brasileiro. Sua visão ia além da independência territorial; ele buscava a construção de um país forte e coeso, fundado em valores democráticos, mesmo dentro do contexto monárquico.

Outro nome de destaque foi Gonçalves Ledo, defensor de ideias liberais e representante da ala mais radical do movimento pela independência. Ledo foi uma voz importante na luta pela convocação de uma Assembleia Constituinte, onde se discutiriam as bases da nova nação. Sua atuação no período foi central para os debates sobre a organização do Estado e a participação popular no processo político.

Além deles, Cipriano Barata, um dos primeiros a levantar a bandeira do republicanismo, e Clemente Pereira, com seu papel nas negociações diplomáticas da independência, também deixaram marcas na política do Primeiro Reinado. Esses líderes, apesar de suas divergências ideológicas, contribuíram para a formulação das primeiras leis e estruturas políticas do Brasil independente, ajudando a moldar o caráter da nação recém-criada.

O Primeiro Reinado foi, assim, marcado por intensos debates entre liberais e conservadores, onde figuras como Bonifácio e Ledo tentavam equilibrar o novo status político do país. Essas lideranças representaram tanto o espírito progressista quanto os desafios de construir uma nação em meio a conflitos de interesses e incertezas sobre o futuro.

Essas figuras moldaram o caminho do Brasil nas primeiras décadas de independência, ajudando a definir tanto os desafios quanto as soluções políticas que marcariam a trajetória do país nas décadas seguintes, especialmente no contexto de uma monarquia constitucional em constante equilíbrio entre forças liberais e conservadoras.

O Segundo Reinado: Estabilidade e Progresso?

O período do Segundo Reinado, sob Dom Pedro II, é frequentemente citado como o auge da política imperial. A economia floresceu, especialmente com a expansão da produção de café, e a modernização chegou ao Brasil, com o surgimento de ferrovias, telégrafos e o início da industrialização. Do ponto de vista político, a estabilidade foi mantida com a alternância entre o Partido Liberal e o Partido Conservador, no chamado sistema de “parlamentarismo às avessas”, em que o Imperador, e não o Parlamento, tinha a palavra final.

No entanto, essa estabilidade era frágil. A política imperial estava fortemente centrada no poder monárquico, o que gerou certa insatisfação em grupos mais a parte da política brasileira, como o partido republicano, o exército, parte das elites latifundiárias defensoras da escravidão e até mesmo alguns setores mais radicais da igreja católica, que viam a tolerância do imperador com a maçonaria como conivência.

Além disso, apesar dos movimentos abolicionistas e até mesmo certo apoio do imperador a causa abolicionista, o Brasil manteve a escravidão por boa parte do período imperial, e a Lei Áurea, assinada em 1888, foi um passo quase que tardio que já não conseguia conter as pressões internas por mudanças, e terminou por inflamar as elites que lucravam com o trabalho escravo.

Um dos maiores legados do Império foi sua tentativa de consolidar a unidade territorial e institucional do país. A centralização do poder no Rio de Janeiro e a organização de um Estado pequeno, mas forte, foram vitais para manter o país coeso, principalmente em meio a desafios separatistas e regionais.

No Segundo Reinado (1840-1889), o cenário político brasileiro se diversificou com figuras de grande influência que desempenharam papéis fundamentais na modernização e estabilização do Brasil. Dom Pedro II, que assumiu o trono após a crise da Regência, foi um imperador culto e interessado em promover o desenvolvimento do país, dando continuidade ao projeto de consolidação política iniciado por seu pai. Ele foi uma peça-chave na promoção da educação, cultura e ciência no Brasil, sempre incentivando a modernização do país. Sua liderança, porém, era sustentada por importantes figuras políticas e intelectuais que ajudaram a moldar o panorama político.

Entre os principais atores do período, destaca-se o Visconde de Uruguai (Paulino José Soares de Sousa), um dos articuladores da política centralizadora do Império. Ele ajudou a consolidar o Poder Moderador, que permitia ao imperador intervir diretamente no Legislativo e Executivo, e também foi fundamental na pacificação de rebeliões regionais, como a Revolução Farroupilha.

O Marquês de Paraná (Honório Hermeto Carneiro Leão) também é um nome de grande importância. Como líder do Partido Conservador, foi o arquiteto da chamada “política de conciliação”, que buscava amenizar as disputas entre conservadores e liberais, fortalecendo o centro político e estabilizando o governo imperial. Sob sua gestão, o Brasil avançou em infraestrutura, além de aumentar sua influência política e diplomática na América Latina.

O Barão de Mauá (Irineu Evangelista de Sousa) foi uma figura-chave no desenvolvimento econômico do Brasil Imperial. Industrial visionário e defensor do liberalismo econômico, Mauá fundou bancos, ferrovias e indústrias, acreditando na modernização do país através do progresso técnico e industrial. Embora suas ideias muitas vezes estivessem em conflito com o governo, ele foi fundamental na introdução de inovações e na integração do Brasil às redes comerciais globais.

André Rebouças, engenheiro e abolicionista, é outro nome de destaque. De origem afro-brasileira, Rebouças foi um dos maiores defensores da modernização do Brasil através de projetos de infraestrutura, como ferrovias e portos, e também foi uma voz importante na luta pela abolição da escravidão. Junto com Joaquim Nabuco, Rebouças formou a linha de frente do movimento abolicionista, que culminou na assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel em 1888. Ele personifica a interseção entre o progresso técnico e a luta pelas liberdades individuais no Brasil.

Essas figuras, juntamente com a própria Princesa Isabel, que teve um papel decisivo no fim da escravidão, simbolizam o auge de uma elite política e intelectual que tentou modernizar o Brasil enquanto lidava com os desafios internos de um império diversificado e, muitas vezes, fragmentado. O Segundo Reinado foi, portanto, um período de grandes avanços, mas também de contradições que pavimentariam o caminho para o fim da monarquia e o surgimento da República.

O fato é que o Brasil Império foi marcado por grandes nomes que deixaram um legado profundo na política e na construção do país. Figuras como José Bonifácio, considerado o “Patriarca da Independência”, e Dom Pedro II, um imperador voltado para a educação e o progresso, são lembrados por suas contribuições significativas à formação e consolidação do Brasil como nação soberana. O Barão de Mauá, com sua visão industrial, e André Rebouças, abolicionista e Joqauim Nabuco, também foram essenciais para o avanço econômico e social do Império.

Em comparação, durante o período a republicano, embora o Brasil tenha sido governado por líderes como Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, ambos muito lembrados como ícones do período republicano através de suas políticas de “modernização” do país ao custo do crescimento da dívida pública, a verdade é que, tirando Rui Barbosa, não tivemos nenhuma liderança política que poderia ser colocada no mesmo patamar que José Bonifácio, André Rebouças, Luiz Gama e até mesmo do próprio D. Pedro II.

Reflexões filosóficas

Se analisarmos o Império sob a ótica de filósofos clássicos, como Montesquieu, poderíamos questionar se a divisão de poderes no Brasil realmente assegurava a liberdade política. Montesquieu defendia que um verdadeiro governo equilibrado necessitava de um sistema de pesos e contrapesos, algo que no Brasil Imperial estava enfraquecido pelo poder concentrado nas mãos do Imperador.

Já pensadores como Maquiavel poderiam ver na atuação de Dom Pedro II um exemplo de governante pragmático, cuja manutenção do poder estava acima das disputas ideológicas, consolidando a autoridade monárquica. Maquiavel, no entanto, alertaria para os riscos de um poder centralizado que não responda às demandas de todos os setores da sociedade, algo que de fato ocorreu com o fim abrupto do Império.

Por outro lado, um filósofo como John Locke, com sua defesa dos direitos naturais, certamente questionaria a legitimidade de um sistema político que mantinha a escravidão como um de seus pilares econômicos e sociais. A política imperial, aos olhos de Locke, de certo modo carecia de um verdadeiro respeito pelos direitos fundamentais de todos os indivíduos.

Qualquer forma de Estado, incluindo a monarquia, representa a essência do Leviatã descrito por Thomas Hobbes. Na luta constante entre a autonomia dos indivíduos e o crescimento do poder estatal, o Estado estará sempre em busca de expandir sua própria autoridade, limitando, em contrapartida, as liberdades individuais. Nesse aspecto, uma monarquia difere muito pouco, ou quase nada, de uma república.

No entanto, sob uma ótica utilitária, é possível reconhecer algumas vantagens na monarquia. Hans-Hermann Hoppe, em seu livro Democracia: O Deus que Falhou, defende que a monarquia, sob certas circunstâncias, pode ser moralmente superior à democracia. Para ele, em monarquias antigas, o governante, como proprietário das terras do Estado, tinha interesse em preservá-las para seus descendentes. Em democracias modernas, os políticos, por não serem proprietários, agem como zeladores temporários, preocupados em se perpetuar no poder a qualquer custo, o que frequentemente gera mais corrupção e ineficiência. A falta de uma visão de longo prazo nas democracias acaba por criar uma série de problemas econômicos e sociais.

Hoppe argumenta que um monarca, assim como qualquer indivíduo que quer deixar um legado para seus filhos, cuidaria melhor do que um político eleito por um período limitado. Contudo, é importante notar que ele não considera a monarquia como um sistema ideal, apenas “menos pior” do que as democracias republicanas contemporâneas. Vale ressaltar, ainda, que suas ideias se aplicam apenas às monarquias absolutistas. As monarquias constitucionais modernas sofrem de problemas similares aos das repúblicas, e portanto, o argumento de Hoppe não justifica a implementação de um modelo como o proposto para o Brasil em 2026.

No fim, a comparação entre monarquias e repúblicas revela que ambos os sistemas possuem suas falhas. Países que mantiveram suas monarquias, como os do norte da Europa, apresentam altos níveis de estabilidade. Por outro lado, nações que aboliram a monarquia, como a França, também conseguiram prosperar. A questão no Brasil seria: quais vantagens realmente se ganhariam? Por exemplo, campanhas presidenciais caras e desgastantes poderiam ser eliminadas, visto que a sucessão monárquica é automática e previsível, evitando gastos milionários como os das eleições presidenciais de 2022.

Argumenta-se que manter uma família real pode ser oneroso, mas o exemplo do Reino Unido mostra que os monarcas também geram receitas significativas com turismo, algo que o Brasil, com suas residências presidenciais, não tem. Além disso, um chefe de Estado monárquico poderia dar ao Brasil uma imagem internacional mais estável, sem depender da ideologia do governo vigente.

Por fim, embora existam esses potenciais benefícios, a própria ideia de monarquia levanta questões importantes: por que uma família específica teria o direito perpétuo de governar o Brasil? E será que já não vivemos sob uma espécie de monarquia, com figuras políticas poderosas agindo como se fossem reis modernos, sem coroas, mas com palácios e séquitos de servos? Ainda que essa proposta não tenha grandes chances de ir adiante, o debate sobre a monarquia serve para destacar as fragilidades do sistema atual.


*As opiniões do autor não representam a posição do Damas de Ferro enquanto instituição.


Fontes e citações

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/10/02/cdh-analisa-sugestao-de-plebiscito-em-2026-sobre-volta-da-monarquia-no-brasil

https://www.youtube.com/watch?v=bFYftSmrnf4&pp=ygUvdmlzw6NvIGxpYmVydMOhcmlhIG1vbmFycXVpYSB2b2PDqiBuZW0gcGVyY2ViZXU%3D

REBOUÇAS, André. Diário e Correspondência. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1997.

RIBEIRO, Clóvis. O Barão de Mauá e o Império do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938.

LUSTOSA, Isabel. José Bonifácio: O Patriarca da Independência. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

CARVALHO, José Murilo de. D. Pedro II: Ser ou Não Ser. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

Fonte: MONTESQUIEU, Charles de. O Espírito das Leis. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Editora Abril, 1985.

LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo Civil. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

HOPPE, Hans-Hermann. Democracia: O Deus que Falhou. São Paulo: Vide Editorial, 2016.

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