O que é o Centrão?

Da lendária revolta de Eduardo Cunha contra o governo de Dilma Rousseff às farras do orçamento secreto, o centrão se provou vez após vez ser a força política mais poderosa do Brasil. De fato, eles conquistam votos em 95% dos municípios, e são os candidatos favoritos num em cada cinco municípios. Mas quem seria esse grupo tão poderoso? No que acreditam? O que comem? Como se reproduzem? Veja hoje, no Damas de Ferro. 

A terra onde o capitalismo nunca chegou

Bem…sabe as revoluções que formaram os Estados mundo afora? Seja a Revolução Americana, a Revolução Francesa, a Revolução Gloriosa, a Independência do Haiti, a unificação Alemã, os caudilhos latino americanos, ou até mesmo a Revolução Comunista na Rússia, todas têm em comum o fim da elite rural que por séculos (às vezes até milênios) dominava a população. Então… o Centrão existe porque você vive num país onde esses revolucionários perderam.

Tivemos revoluções americanas com a Inconfidência Mineira e a Confederação do Equador, revoluções Francesas na Revolução Farroupilha e na Cabanagem,  revoltas caudilhas na Sabinada e em Canudos, a levantes separatistas negros como os do Haiti na Revolta dos Malês e em Palmares, e até mesmo uma revolução comunista dando golpe de Estado simultâneamente em todos os estados brasileiros com a Intentona Comunista. Todas elas, sem exceção, foram derrotadas pelas famílias da elite rural dos grandes senhores. 

Mudar tudo para continuar como está

Claro que no Brasil houveram revoluções: a independência, a república, a era Vargas, o golpe de 64… Sobre isso, acho que vale a pena lembrarmos uma famosa frase de Dom João VI a seu filho Dom Pedro I:

Pedro, se o Brasil se separar, antes seja para ti, que hás de me respeitar, do que para algum aventureiro

– Dom João VI

As revoluções que o Brasil de fato teve foram controladas, acontecendo somente com o apoio destes grupos e apenas até onde eles permitiam. A independência, por exemplo, aconteceu porque Portugal queria rebaixar o Brasil como colônia, mas, quando Bonifácio tentou a abolição ou D. Pedro I não quis ceder a eles, ambos foram exilados. A república por sua vez só aconteceu porque a abolição os deixou revoltados com D Pedro II e os republicanos se aproximaram deles prometendo indenizações pelos escravos alforriados, mas os republicanos também perderam o apoio e o governo foi tomado pelas oligarquias paulista e mineira (café com leite). O próprio regime militar aconteceu com o apoio das elites para “impedir a ameaça comunista” e terminou com uma anistia ampla impedindo-as de serem punidas. Tudo sempre mudou para continuar como está.

Os donos do poder

 Como o Brasil é uma sociedade pré-capitalista onde os poderosos originais nunca perderam seu poder para a burguesia ou para revolucionários, os antes nobres se renovam no poder a gerações. Cada cidadezinha do interior costuma ter uma família grande que a governa, um “cacique-coronel” , que manda na cidade como se estivesse acima da lei.

O aposentado Antônio Torres disse confiar na indicação do prefeito para escolher em quem votar para o Legislativo federal. “Deputado é o deputado do prefeito”, afirmou. “Se o cara (nos) valoriza, vai votar em outro por quê?” “Valorizar”, no caso, é trazer recursos federais para a cidade. Alguns metros mais adiante na mesma calçada, o cabeleireiro Túlio Nogueira usa a expressão “federal do prefeito” para dizer como pretende votar em outubro. “Quem está no mandato (da prefeitura) tem força demais (para pedir votos para o Congresso)”, disse ele. “Na prática é assim que funciona. O federal tem que trazer investimentos.”

Estadão, matéria Quem elege o centrão? Veja o ranking das cidades que mais votam  no grupo que manda no congresso

 A tradição de políticos brasileiros descendentes dessa elite do passado é muito bem documentada, com a família de José Bonifácio tendo o recorde de 190 anos com um representante na política. Mesmo aqueles que não foram pelo caminho político, às vezes até perdendo sua riqueza, continuam presentes como uma casta aristocrática na vida pública: 

  • Supla é, por parte de pai (Eduardo Suplicy), trineto de Francesco Matarazzo, e, por parte de mãe (Marta Suplicy), trineto  do barão de Vasconcelos.
  • Dinho Ouro Preto, vocalista da banda Capital Inicial, é bisneto do Visconde de Ouro Preto, o último primeiro-ministro do Império.
  • Marina Ruy Barbosa, atriz da Globo, é descendente de Rui Barbosa.
  • Gregório Duvivier é trineto de Alberto Jackson Byington, um dos maiores empresários da república velha e Pérola Byington, famosa filantropa que dá nome a um hospital em São Paulo. 
  • A família Setúbal, dona do Itaú, é descendente direta de barões, viscondes e marqueses rurais (Campinas, Indaiatuba, Limeira, Três Rios, Valença etc.).
  • Daniel Dantas, investidor que enriqueceu com as privatizações da década de 1990, é trineto do barão de Jeremoabo. Maior latifundiário do Nordeste na época.

Eu tenho um preço, não tenho princípios

Com exceção de alguns como Ciro Gomes, membro da influente família de coronéis Ferreira Gomes e descendente direto do capitão-mor do Ceará (sim, da época das capitanias hereditárias), nenhum desses políticos de elite é intelectual ou tem ideias políticas que defendam. Nada de liberalismo, conservadorismo, comunismo ou ambientalismo. Eles se tornam políticos por tradição familiar desde a época em que isso não importava, e suas únicas intenções na política são apenas acumular privilégios e levar o máximo de dinheiro possível (legal ou ilegalmente) para seus redutos eleitorais.

Os políticos ideológicos, incluindo até mesmo o todo poderoso PT, são para eles como crianças alugando o seu brinquedo. Até mesmo com Lula, um presidente com a maior bancada do legislativo e a gigantesca aprovação popular, o PT não conseguiu maioria para fazer tudo o que queria e teria criado o mensalão para pagar pelo uso do brinquedo Brasil. 

Agora com Bolsonaro, alguém que defende pautas totalmente contrárias às do PT,  no poder, os mesmos que votaram pelo PT agora votam por ele. São muito bem pagos para isso, e quando o poder mudar de novo eles mudam também o voto. 

A analogia dos traficantes

Imagine que o Brasil foi invadido e conquistado pela França e o presidente da república teve como única opção se refugiar nos morros do Rio de Janeiro. Ele conta com a lealdade dos traficantes contra os estrangeiros, mas não pode recriminalizar as drogas sem que eles se virem contra ele por isso. Essa foi a realidade da família real brasileira com os senhores escravagistas, que continuaram no poder e hoje se tornaram o centrão. Mais do que uma cabala de poderosos dominando tudo por detrás dos panos, é a somatória de todos os pequenos senhores do interior brasileiro cuja estrutura de poder nunca foi desfeita. Eles continuam presentes como a força dominante na política e no entretenimento, pois nunca foram depostos. 

1 comentário em “O que é o Centrão?”

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