O perigo oculto do caso Gabriel Monteiro

O youtuber e ex-policial Gabriel Monteiro escandalizou o Brasil quando veio à tona que ele forjava crimes e depoimentos para seus vídeos de ação policial. Como se já não fosse horrível o bastante, evidencias de acusações antigas de abuso, estupro e pedofilia logo vieram para tornar tudo ainda pior. O que poucos notaram, porém, foi como esse caso expôs a maior ameaça à liberdade do nosso tempo. Algo que, se não tomarmos consciência, pode vir para devorar a todos nós.

A Máfia contra ataca

Dias antes do escândalo, Gabriel Monteiro expôs um gigante esquema da máfia dos reboques carioca acontecendo na prefeitura, prendendo membros de alto escalão da polícia e constrangendo poderosos. Mesmo que as acusações se comprovem e Gabriel seja de fato o horror que vimos, há razão para acreditar que o escândalo que destruiu sua carreira foi feito em retaliação desses poderosos pelo constrangimento. O que chamamos hoje de cultura do cancelamento é brincadeira de criança perto desse tipo de retaliação, que foi exposta por Edward Snowden.

Snowden expôs que o governo americano espionava não apenas bandidos, terroristas e ameaças, mas sim todos os cidadãos e empresas. Nas palavras de Snowden, se a Siemens tivesse alguma informação do interesse do governo americano, mesmo que não tivesse nada a ver com a segurança nacional, essa informação seria coletada pelas agências de informação americanas. Sejam e-mails, pesquisas no google ou até mesmo mensagens privadas entre usuários, tudo é coletado na esperança de um dia ser usado contra seus inimigos. 

Mas eu não tenho nada a esconder

[…] Ao dizer que você não precisa ou não liga para ter privacidade porque não tem nada a esconder, está assumindo que ninguém deveria, nem poderia, conseguir esconder nada — incluindo status de imigração, históricos de desemprego e de saúde. Você está assumindo que ninguém, nem mesmo você, pode se recusar a revelar para qualquer um informações sobre suas crenças religiosas, afiliações políticas, ou preferências sexuais tão casualmente quanto alguns escolhem compartilhar um filme ou seus gostos musicais e de leitura.”  Edward Snowden

Nos sentimos justificados quando informações de anos atrás são usadas para desmascarar um abusador, como no caso Gabriel Monteiro, mas esse mesmo mecanismo está apontado para todos nós, e foi usado para forjar acusações contra Julian Assange por ter divulgado os crimes de guerra do governo americano durante as guerras do Iraque e Afeganistão.  Por mais enojado que eu esteja com o caso Gabriel Monteiro, ele está sendo o exemplo perfeito de como a coleta de dados não é feita porque temos algo a esconder, mas sim para já ter uma forma de manipular e neutralizar qualquer pessoa, empresa, ou governo que um dia incomode o dono dessas informações.

Ta. Mas não tem nada que possamos fazer quanto a isso, não?

Para defender a liberdade no século XXI, não basta ser apenas defensor da liberdade econômica, da descriminalização da maconha, ou dos direitos LGBT+. É preciso também defender com o mesmo afinco a privacidade online, pois a batalha pela nossa privacidade é travada todo dia: já nas primeiras semanas do governo Bolsonaro, políticos foram à China para aprender o know how de como aplicar um sistema de crédito social no Brasil (abandonado por pressão popular) e, mais recentemente, correm para implementar o real digital, capaz de guardar um histórico de todas as transações feitas pelos usuários e suspender o uso caso necessário.

Se a luta pela privacidade online for perdida, os direitos a uma vida pública e uma privada de John Locke serão perdidos para sempre. Sim. Ficamos felizes de ver isso sendo usado para “o bem” no caso Gabriel Monteiro, mas quanto tempo até normalizamos publicar nome e endereço reais das contas anônimas para que sejam perseguidas por suas ideias? Isso acaba de acontecer lá fora com o Washington Post expondo a conta @libsoftiktok, mas os EUA tem a primeira emenda para protegê-los, enquanto nós temos o Xandão. 

Como fazer para se proteger

Pra começar? Largue o Chrome. Substitua-o por alternativas como Firefox ou Brave. Não reutilize senhas e faça suas buscas anônimas no Tor. Substitua o Whatsapp pelo Signal ou o chat secreto do Telegram para conversas sensíveis.  Recomendações adicionais sobre o que baixar e como agir podem ser encontradas em https://www.privacytools.io/.

O importante é, acima de tudo, buscar proteger sua privacidade online da forma que puder e defender as causas da privacidade com o mesmo afinco de qualquer outra causa. Tenha em mente que suas informações estão sendo coletadas não pelo que você fez mas, como vimos com o Gabriel Monteiro, para te destruir se um dia virar um obstáculo ao poder estabelecido. Essa é a chamada 5ª geração da guerra (a 4ª era o terrorismo), e aqueles que a ignoram correm o risco de um dia acordarem numa tirania autoritária sem nenhuma liberdade para reagir.


Texto por Paulo Grego

Arte por Tailize Scheffer

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