André Rebouças, João Galt Negro e Brasileiro

Se você mora por São Paulo, provavelmente já passou pela Avenida Rebouças. Se é carioca, conhece o Túnel Rebouças. Se for paranaense então, ruas e cidades com esse nome não faltam. O que talvez você não saiba é que o homem que dá nome a todos esses lugares foi um dos maiores amantes da liberdade que nosso país já teve, com uma história de vida digna do título de John Galt brasileiro. Estou falando, é claro, de André Rebouças.

O segundo Mauá

         Nascido em 1838, o baiano André Pinto Rebouças e seu irmão Antônio foram os primeiros engenheiros negros do Brasil. Eles eram filhos de Antônio Pereira Rebouças, um dos poucos advogados negros da época num alto posto hierárquico político e conselheiro pessoal de Don Pedro II.  

         Rebouças ficou conhecido pela história como um dos principais abolicionistas do Brasil, mas poucos sabem que antes disso ele foi um de nossos maiores empresários, tido por alguns como o segundo Mauá. 

Ele atuou como engenheiro militar e voluntário da pátria na guerra do Paraguai, projetou as primeiras docas do Rio, da Bahia, de Pernambuco e do Maranhão, resolveu o problema de abastecimento de água do Rio de Janeiro em um mês, e também foi responsável por projetar a ferrovia Curitiba-Paranaguá, uma das mais ousadas obras de engenharia mundial da época, cruzando a Serra do Mar para ligar a capital paraense ao litoral.

“Foram treze projetos de formação de companhias, para os quais Rebouças pesquisara, analisara a viabilidade econômica do negócio, organizara os sócios, levantara os capitais estrangeiros, visitara as autoridades responsáveis pela concessão do privilégio, perseguira políticos influentes nos seus lares e corredores da câmara, redigira cartas, apresentara monografias ao imperador, debatera pelos jornais e, afinal, em muitos poucos tivera a sorte de atuar como engenheiro, diariamente no canteiro de obras, inspecionando o trabalho dois mestres-assistentes, dirigindo as operações de aquisição de material, testando as técnicas construtivas em voga no mundo: foi o primeiro engenheiro brasileiro a substituir a “cal do reino” – a cal argamassada com óleo de peixe- pela importação do cimento Portland, a utilizar escafandro em obras portuárias e a se referir à utilidade da dinamite para a engenharia, tal como a empregara o exército inglês na Abissínia.” – O quinto Século, André Rebouças e a Construção do Brasil Maria Alice Rezende de Carvalho.

O liberal esquecido pela história

Como era de se esperar de um empreendedor desses, Rebouças também era um liberal. Mas, diferente de outros liberais da época como Joaquim Nabuco, Rebouças defendia o liberalismo norte americano (ele chamava de yankismo). De Vincent de Gournay e Frederick Bastiat a John Stuart Mill. Rebouças havia lido todos os principais liberais clássicos de sua época, defendendo abertamente o estado mínimo e o capitalismo Laissez Faire. 

Para Rebouças, o favoritismo e excesso de regulamentações da ação governamental estavam entre os maiores males, enquanto a livre iniciativa e o espírito de livre associação eram os motores da nossa sociedade.    

“Abri espaço à iniciativa individual e ao espírito de associação: lançai por terra as barreiras que ainda impedem o livre transito na estrada do progresso”- Agricultura Nacional, André Rebouças

Rebouças também tinha muito respeito pelos colonos exploradores americanos e dos recém unificados alemães, vendo potencial nos colonos brasileiros para ser a próxima grande potência. Entretanto, ao conhecer a miséria da população do interior durante a guerra, ele viu todo esse potencial sendo desperdiçado por um país que arranha o litoral ao invés de expandir para o interior. Seus projetos de engenharia na verdade faziam parte de seu grande sonho de trazer a prosperidade do litoral para o interior por meio de um sistema de ferrovias similar ao norte americano, assim como se aproveitar dos abundantes rios brasileiros para criar um sistema de hidrovias ligando os portos das capitais aos campos rurais.

         Esse ímpeto empreendedor bateu de frente com a burocracia da máquina estatal, que respondeu de forma similar ao que vimos com Dagny Taggart e Hank Rearden em A Revolta de Atlas.

O contra ataque dos saqueadores

         Dos seus treze projetos, apenas as Docas do Rio de Janeiro e do Porto de Cabedelo, na Paraíba, vingariam. As oligarquias rurais estavam incomodadíssimas de um segundo Mauá tentando modernizar o país, e escandalizadas com o mais puro racismo que fosse um homem negro a fazê-lo.

         Um exemplo disso foi quando Rebouças trabalhava no abastecimento de água da capital imperial, recebendo ataques pesados de engenheiros-funcionários, proprietários de terrenos, jornalistas, políticos e senadores contra seu projeto.  O então inspetor de águas Francisco José Freitas acusou-o na imprensa de iludir o público e o governo, exigindo uma demonstração pública de que seu sistema de canos funcionava. Rebouças topou o desafio e conseguiu provar não apenas que seu sistema funcionava, como também que as falhas identificadas eram culpa de registros colocados pelo próprio Freitas.

         Mas diferente de Dagny e Rearden, ele desistiu. Após uma década de derrotas contra o leviatã estatal brasileiro, Rebouças deixou de lado sua vida empresarial para se tornar professor politécnico e se reinventou em outro campo: a abolição.

Engenheiro fracassado, abolicionista lendário

         O Rebouças de 1880 havia perdido total confiança no sistema político brasileiro e apoiava-se na figura do imperador, que era uma pessoa com a qual concordava e via segurando os excessos das oligarquias. Ele ainda acreditava na iniciativa individual e no espírito de livre associação, mas via ambos sendo estrangulados pelo Estado. Como diz o historiador Leôncio Bausbaum, desde os primeiros dias Rebouças tratava apenas acidentalmente da escravidão, e sua verdadeira luta foi sempre contra o parasitismo e o monopólio territorial dos grandes oligarcas.

Claro que não foi fácil. Por ter atuado como engenheiro e empresário entre as décadas de 1860 e 1870, Rebouças não tinha tradição intelectual como pensador social. Nunca foi um político para se afiliar a partidos, então não tinha espaço para senador. Ele atuou como jornalista em jornais abolicionistas, mas não era militante panfletário ou orador como José do Patrocínio. Ainda assim, ele é descrito por Joaquim Nabuco como o maior dentre os abolicionistas, aquele que mais firmemente acreditava na causa e para quem todos os grandes oradores olhavam enquanto discursavam.

         Quando Nabuco publicou “O Abolicionismo”, Rebouças publicou “Agricultura Nacional”, cuja tese era a da democracia rural, uma centralização agrícola similar à americana que superaria a lei de terras proporcionando aos escravos libertos tanto uma indenização quando um pedaço de terra para começarem a trabalhar e recomeçar. Esse livro  de Rebouças inspirou em 1884 uma lei abolicionista poderosíssima que incluía tudo isso, o Projeto Dantas, mas que foi freada pelas oligarquias e desidratada até se tornar a inofensiva Lei dos Sexagenários.

O Brasil é a Grécia Antiga

Quando a abolição foi alcançada, garantir terra e indenização aos escravos continuava sendo pautada inclusive por Don Pedro II na fala do trono daquele ano (um discurso do estado da união brasileiro). O medo dessa reforma foi um dos estopins para o 15 de novembro, que Rebouças considerava o desterro do 13 de maio. Por conta disso Rebouças, como John Galt, preferiu se auto exilar junto da família real a se aliar àquele bando de usurpadores, e permaneceu na Europa como colaborador de jornais como The Times até a morte de Don Pedro II.

Com a morte do imperador, ele se mudou para a África, onde trabalhou como engenheiro visando resolver os problemas do continente. Quando perguntado sobre o Brasil, ele dizia que havia amado muito a civilização brasileira, mas que esta agora era como a civilização grega clássica: algo do passado, que já acabou.

Um legado a ser resgatado

Os fracassos de Rebouças em trazer a liberdade econômica e a democracia rural para o Brasil pesaram muito sobre ele, que solitário lia sozinho os livros econômicos com “verdades que ninguém queria mais ouvir”. Depressivo, ele se mudou para um lugar entre o Brasil e a África, na Ilha da Madeira, e iria se suicidar pulando de um penhasco em 9 de maio de 1898.

Os livros que Rebouças deixou para a posteridade, como seus diários pessoais e o livro Agricultura Nacional, não foram passados adiante como os de Nabuco e tem pouquíssimas reimpressões. Para piorar, seus livros foram tão esquecidos que nem no domínio público estão.

É triste que um liberal brasileiro tão próximo ideologicamente de Mises e Hayek tenha sido esquecido pela história, mas acho poético que ele seja lembrado não pelo que escreveu e defendeu, mas sim pelas obras de engenharia que tanto amou, e que levam seu nome pois o país reconheceu que ele era sim um grande homem. Que possamos resgatar a sua memória e usá-la de inspiração para construir um Brasil melhor.


Texto por Paulo Grego

Arte por Tailize Scheffer

1 comentário em “André Rebouças, João Galt Negro e Brasileiro”

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