A matemática se tornou racista? A visão deturpada dos Wokes

A matemática é racista”? Esta pergunta foi feita num artigo para o USA Today, cuja repercussão fez o título mudar para “Seria o ensino de matemática é racista”? Esta afirmação não poderia estar mais errada, sendo a matemática na verdade a ciência mais democrática e diversa. No entanto, eu vou além: há um motivo político para quererem desconstruir a matemática.

Matemática Opressora

A origem desta discussão aparenta ser um livro publicado em 2017 por Rochelle Gutierrez, uma professora da University of Illinois, argumentando que a própria matemática opera pela branquitude. Segundo Gutierrez, outras culturas antigas teriam sua própria terminologia para adição, subtração, multiplicação e divisão, assim como acesso ao teorema de pitágoras e ao número pi séculos antes de os gregos “os inventarem”. 

Ao creditar tudo isto aos gregos e europeus, a educação de matemática como vemos hoje em dia seria uma “matemática ocidental” cooptada pelos conquistadores brancos como uma ferramenta de opressão cultural contra minorias, normalizando que apenas os brancos seriam capazes de entrarem para as exatas. 

Qualquer aluno de ensino superior em exatas consegue refutar isso tudo muito rapidamente.

O poder do indiano do Youtube

Seja matemática, física, engenharia, ou qualquer outro assunto de exatas no ensino superior, é lugar comum na nossa comunidade que sempre há um vídeo feito por um indiano no youtube capaz de ensinar melhor do que nossos professores universitários. Já nos ensinos fundamental e médio, são os asiáticos (nativos ou descendentes de japoneses, chineses, e coreanos) que dominam as exatas no mundo ocidental, sendo tão superiores aos brancos que, nos EUA, há faculdades descontando pontos de asiáticos no vestibular para dificultar a sua entrada. 

Dentre os exemplos clássicos de meritocracia na matemática, o indiano e membro da Royal Society Srinivasa Ramanujan se destacou já no século XIX, o ápice do domínio europeu sobre o mundo:

Sua visão sobre fórmulas foi incrível, e completamente além de qualquer coisa que eu tenha encontrado em qualquer matemático europeu. (…) Ele combinou um poder de generalização, um sentimento de forma, e uma capacidade de rápida modificação de suas hipóteses, que muitas vezes eram realmente surpreendentes, e o fez, em seu próprio campo peculiar, sem um rival em sua época. As limitações de seu conhecimento eram tão surpreendentes quanto sua profundidade. Aqui estava um homem que podia trabalhar equações modulares e teoremas… a ordens inéditas, cujo domínio de frações contínuas era… além do de qualquer matemático do mundo (…)” –  G. H. Hardy

Este sucesso empírico de diversas culturas mundo afora na matemática faz cair por terra a ideia de que a matemática de hoje seria uma ferramenta da branquitude. No entanto, a própria tese da manipulação histórica não se sustenta quando analisamos a história da matemática: ao invés de um conhecimento roubado de outras culturas, vemos na verdade a ciência mais democrática e diversa do mundo.

Uma origem multicultural

Usemos como exemplo o teorema de Pitágoras, supostamente levando o nome de Pitágoras para reforçar a superioridade europeia. 

Teorema de Pitágoras do ensino básico

De fato, há provas de que povos como os hindus, mesopotâmios e chineses conheciam o teorema, sendo a prova mais gritante um papiro egipcio de 1650 a.C. Estes, porém, eram casos empíricos, decorados como certos. O motivo para atribuirmos os teoremas geométricos aos gregos e não a outros povos é porque eles substituíram esses métodos empíricos por provas demonstrativas, ou seja, provaram-os de forma que qualquer um possa entender, reproduzir, e adaptar, ao invés de algo decorado como certo.

Dito isso, é exagero dizer que apenas os gregos receberam crédito por seu trabalho. Isso porque a equação do teorema de Pitágoras que tanto aprendemos na escola é na verdade árabe, afinal a álgebra foi proposta e difundida no século IX pelo matemático persa Al-Khwarizmi (e sim, o nome dele é a origem dos termos “algarismo” e “algoritmo”). Os gregos não tinham acesso à álgebra, e o teorema de Pitágoras original foi provado utilizando geometria, como na imagem abaixo:

Teorema de Pitágoras como proposto pelos gregos

Além dos islâmicos, temos também as contribuições dos indianos para a matemática, sendo um deles o matemático mais famoso e odiado dentre os alunos do ensino básico: Bhaskara (e você aí achando que nunca usaria a fórmula dele pra nada, né?). 

Mais do que apenas teoremas, porém, a contribuição dos indianos para a nossa matemática é insubstituível, tendo sido o indiano Brahmagupta a inventar o número zero como um algarismo. Este novo sistema de contagem revolucionário indiano foi trazido por Al-Khwarizmi para o mundo árabe com algumas modificações, e então trazido para a Europa via Espanha. Esta é a origem dos algarismos indo-arábicos, o sistema numérico que utilizamos até hoje na matemática.

A origem dos números como conhecemos hoje

A matemática como um todo, portanto, tem a sua origem na união de diversas culturas, as quais tem sim o seu devido crédito dado a seus grandes estudiosos ao longo de milênios. Frente a isso, cabe a pergunta: a quem interessa que a matemática seja vista como uma estrutura de opressão branca?

A Fronteira Final do wokeísmo

O wokeísmo é famoso por se infiltrar e destruir as instituições culturais, ocupando os espaços de poder com os seus membros e cancelando qualquer um que discorde de sua cartilha. É um padrão que vemos no jornalismo, na religião, no cinema, na música, e na academia. 

Como explicado num texto anterior, isto ocorre porque eles acreditam que as estruturas da sociedade ocidental são responsáveis pelo racismo e a desigualdade. Para chegar à utopia, eles propõem destruir todos os valores, ícones, personagens e inspirações ocidentais, substituindo-os por novas versões woke a difundir apenas valores woke. 

Paradigma Lockeano, comum na civilização ocidental, vs paradigma rousseauniano, utilizado pelos wokes

Estes valores, porém, recebem novas regras a cada ano, tornando-se assim cada vez mais difícil, senão impossível, de seguí-los. Não adianta ter alguns pontos em comum. Você precisa ceder total e cegamente à causa ou será atacado da pior maneira possível, como vimos com os ataques à autora de Harry Potter J.K. Rowling. Ao ser contrária à pauta trans, Rowling passou de heroína da causa LGBT+ a inimiga, ao ponto de que ativistas publicaram seu endereço nas redes.

Isto, porém, vai contra tudo o que a matemática prega. Ela é uma ciência objetiva, sem ideologias, e cujos teoremas são verdadeiros independentemente de sua cultura ou formação acadêmica, ao ponto de os universitários de exatas poderem discutir suas notas de provas com seus professores de igual pra igual e demonstrarem quando o professor cometeu um erro de correção. E é justamente por isso que George Orwell, no livro 1984, cita a matemática como uma espécie de fronteira final para o domínio do Grande Irmão:

No final, o Partido anunciaria que dois e dois fazem cinco, e você teria que acreditar. Era inevitável que eles deveriam fazer essa reivindicação, mais cedo ou mais tarde: a lógica da sua posição exigia. Não apenas a validade da experiência, mas a própria existência da realidade externa, foi tacitamente negada por sua filosofia. A heresia das heresias era senso comum. E o que foi aterrorizante não era que eles iriam matá-lo por pensar de outra forma, mas que pode estar certo. Pois, afinal, como sabemos que dois e dois são quatro? Ou que a força da gravidade funciona? Ou que o passado é imutável? Se tanto o passado como o mundo externo só existem na mente, e se a mente em si é controlável — o que então?” – 1984, George Orwell

O nosso Grande Irmão, porém, não é um ditador totalitário. Como mostrado num texto anterior, a figura do Grande Irmão é muito famosa para chegar ao poder. O que a obra 1Q84 de Haruki Murakami sugere, é que o Grande Irmão virá por meio de algum culto ou religião, coisa que, como apontado por John McWhorter, se tornou o wokeísmo para a esquerda. Se eles conseguirem subverter a matemática ao identitarismo, não existirá nada neste mundo que não conseguirão converter.

Prova disso é que Gutiérrez não é uma profissional de exatas: sua graduação em  Stanford foi em biologia humana, seu mestrado na Universidade de Chicago, em ciências sociais, e seu doutorado, em educação. Seus exemplos de suposto racismo são do ensino básico porque ela não estudou a matemática do ensino superior. Seus esforços não vêm de um amor pelo método lógico matemático, mas de um desejo de desconstruí-lo em nome da política. Em resposta aos métodos de Gutierrez, professores fizeram a seguinte carta aberta:

“Um verdadeiro campeão de equidade e justiça gostaria que todas as crianças da Califórnia aprendessem matemática real – como em aritmética, álgebra, geometria, trigonometria e cálculo – não um rio interminável de novas modas pedagógicas” -carta ao Estado assinada por 1.163 professores de matemática e ciências.

Descoberta, não inventada

Para desconstruir a matemática, Gutierrez afirma que os conhecimentos matemáticos dos europeus na verdade haviam sido obtidos por outros povos, e o crédito de suas invenções teria sido roubado. No entanto,a matemática não é uma invenção dependente da criatividade humana, como um carro ou uma lâmpada. Ela é, na verdade, uma ciência descoberta: todos os teoremas matemáticos existem independentemente dos seres humanos, podendo então ser descobertos mais de uma vez. 

É o que vimos, por exemplo, com o cálculo diferencial integral, descoberto independentemente por Isaac Newton e Gottfried Wilhelm Leibniz. Ambos chegaram aos mesmos resultados porque o cálculo já existia sozinho. É esse poder democrático que torna a matemática uma ciência acima de todas as pessoas, ignorando suas origens, ideologias, preconceitos, e classe social, um poder que nem mesmo o mais poderoso tirano pode subverter. Para a matemática, só existe uma pergunta para todos: o resultado está certo ou não?


Paulo Grego

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