Alexei Navalny: A trajetória política do opositor de Vladimir Putin

Alexei Navalny

No dia 16 de fevereiro de 2024, morria aos 47 anos em uma colônia penal na Sibéria o advogado e ativista político Alexei Navalny. Considerado por muitos o líder de oposição mais importante da Rússia na última década, Navalny cumpria uma sentença de 19 anos por condenações consideradas por boa parte da comunidade internacional como sendo de motivação política. 

A vida de Alexei Navalny foi marcada por uma corajosa cruzada contra o regime do presidente russo Vladimir Putin.

Conhecido internacionalmente por suas denúncias incisivas de corrupção dentro do governo russo, Navalny não hesitou em apontar o dedo para o partido de Putin, Rússia Unida, rotulando-o como “o partido dos vigaristas e ladrões”. 

Em um país onde  ser oposição está diretamente associado a viver graves riscos, Alexei Navalny emergiu como o principal antagonista político de Putin, desafiando abertamente seu governo e suas políticas.

Mas afinal quem foi Alexei Navalny, por que sua morte causou tanta agitação no mundo, e qual a trajetória política do opositor de Vladimir Putin?

Desafiando o Regime de Putin

Alexei Navalny, formado em Direito em 1998 pela Universidade Russa da Amizade dos Povos, iniciou sua carreira como advogado representando várias empresas russas na região de Kirov. Paralelamente, manteve uma forte atividade política ao ingressar em um partido político local em 2000, ascendendo na hierarquia do partido ao longo dos anos. No entanto, em 2007, após conflitos com a liderança, foi finalmente expulso, fundando no mesmo ano, o movimento “Narod Navalny”, que chamou a atenção na Rússia ao liderar manifestações contra as acusações de fraude nas eleições parlamentares russas no final de 2011. Em dezembro daquele ano, foi preso, ganhando fama e notoriedade que usou para convocar os russos a se unirem contra Putin. Nos meses seguintes, Navalny dedicou-se a organizar protestos contra o que afirmava ser uma máfia de corrupção dentro do governo russo, resultando em várias prisões, embora com penas curtas, de no máximo alguns dias.

Em 2013, Alexei Navalny lançou sua candidatura para prefeito de Moscou, obtendo 21,9% dos votos em oposição aos 60,1% de seu adversário. A partir de 2014, já envolvido com o partido do Progresso, que ele co-fundou e que mais tarde foi renomeado como Rússia do Futuro, Navalny tentou concorrer em várias eleições, mas foi repetidamente impedido pela justiça eleitoral russa.

Em abril de 2017, logo após anunciar sua intenção de concorrer às eleições presidenciais de 2018, ele foi vítima de um ataque com uma mistura de ácido, resultando na queima de um de seus olhos. Embora ferido e tendo perdido 80% da visão do olho direito, Navalny foi o único detido, passando 25 dias na prisão.

Em outubro de 2017, foi novamente preso sob a acusação de organizar e participar de protestos sem a devida autorização das autoridades. Finalmente, em dezembro de 2017, sua candidatura foi bloqueada pelo sistema judicial, que alegou casos de corrupção em seu partido e na campanha. Apesar dos recursos aos tribunais russos e de apelar por um boicote às eleições de 2018, sua candidatura foi oficialmente vetada em 15 de maio daquele ano.

No dia em que Putin foi empossado para seu quarto mandato presidencial, Navalny foi novamente preso em julho de 2019, em meio a protestos contra casos de corrupção e fraude nas eleições para a Duma. Novamente, em 2020, Navalny foi preso. Vladimir Putin propôs uma profunda alteração constitucional que lhe permitiria permanecer como presidente até 2036. Navalny liderou as manifestações contrárias a isso, afirmando tratar-se de um golpe e de uma profunda violação da Constituição russa.

Apesar dos protestos liderados por Navalny, Putin conseguiu mudar a constituição, podendo agora permanecer como presidente até 2036.

Os Perigos da Oposição

Em agosto de 2020, pouco após os protestos contra a alteração constitucional, Navalny ganhou destaque internacional após se sentir mal durante um voo da Sibéria para Moscou, sendo hospitalizado em Omsk. Seu estado de saúde deteriorou rapidamente, levantando suspeitas de envenenamento. Em 24 de agosto, foi transferido para um hospital na Alemanha, onde os médicos confirmaram que havia sido envenenado com Novichok, uma arma química extremamente poderosa que afeta os neurotransmissores, conclusão que foi posteriormente apoiada por outros dois laboratórios na França e na Suécia, alimentando suspeitas de envolvimento do Estado russo, uma vez que os agentes Novichok são altamente incomuns, com poucos cientistas fora da Rússia tendo experiência real em lidar com eles.

Uma investigação extraoficial conduzida na Alemanha em dezembro de 2020 concluiu que Navalny foi envenenado por agentes do FSB, a agência sucessora do KGB soviético. 

Uma outra investigação subsequente da CNN revelou que uma equipe de elite do serviço de segurança FSB da Rússia, composta por cerca de seis a 10 agentes, perseguiu Navalny por mais de três anos.

Navalny posteriormente enganou um dos espiões, Konstantin Kudryavtsev, para que revelasse como foi envenenado. Disfarçando-se como um alto funcionário do Conselho de Segurança Nacional da Rússia encarregado de analisar a operação de envenenamento, Navalny telefonou para Kudryavtsev, que forneceu um relato detalhado de como os agentes nervosos foram aplicados na cueca de Navalny.

A Rússia negou veementemente qualquer envolvimento no envenenamento de Navalny em 2020. Putin declarou na época que, se o serviço de segurança russo quisesse matar Navalny, “teriam terminado” o trabalho.

Repressão e Resistência

Apesar dos meses de recuperação árdua, Navalny anunciou em janeiro de 2021 sua decisão de retornar à Rússia. Em entrevistas, ele reconheceu o risco de ser preso assim que pisasse no país, mas afirmou que sua luta contra o regime de Putin seria inútil fora da Rússia. Em 17 de janeiro de 2021, Navalny foi preso em Moscou. O motivo alegado pela polícia foi que ele teria violado as condições da sentença de fraude de 2014. Segundo a sentença, Navalny deveria se apresentar regularmente às autoridades, o que ele não teria feito durante parte do ano de 2020. A defesa de Navalny sempre contestou essa alegação, afirmando que era absurda, uma vez que as autoridades russas sabiam que ele estava recebendo tratamento médico em Berlim e até mesmo tinha passado parte desse período em coma.

A prisão de Navalny desencadeou uma onda de protestos contra o Kremlin. Milhares de pessoas foram às ruas em toda a Rússia, apesar da forte presença policial. A sentença foi condenada pela União Europeia, Estados Unidos e Reino Unido, que pediram a imediata libertação do líder da oposição. No entanto, Navalny permaneceu preso, enfrentando longos períodos na solitária e chegando até a fazer greves de fome. Sua aparência bastante magra em alguns vídeos gravados dentro da prisão evidenciava as condições difíceis que enfrentava. 

Apesar dos protestos intensos tanto internos quanto externos, a decisão foi mantida, e outros tribunais decidiram aumentar progressivamente a pena de Navalny. Em 4 de agosto de 2023, um novo julgamento adicionou 19 anos à sua pena anterior. O tribunal o acusou de atividades extremistas e incitação ao nazismo, o que resultou em um aumento significativo na sua sentença.

 Nesse meio tempo, Navalny foi constantemente transferido de prisões

Quatro meses depois, os advogados de Navalny declararam ter perdido contato com ele, que se presumia estar detido em uma colônia penal localizada cerca de 240 quilômetros a leste de Moscou. Sua ausência foi notada quando ele não compareceu a várias audiências judiciais marcadas para dezembro.

Em 22 de dezembro, sua equipe jurídica divulgou que ele estava desaparecido há 17 dias, uma situação inédita para Navalny. Após apresentarem 680 solicitações para localizá-lo, anunciaram em 25 de dezembro que o haviam “encontrado” a mais de mil quilômetros de distância, na colônia penal IK-3 em Kharp, conhecida como “Lobo Polar”.

A colônia penal “Lobo Polar”, é reconhecida por ser uma das mais severas prisões russas, destinada a abrigar criminosos extremamente violentos e agressivos. Estrategicamente isolada na cidade de Kharp, no Círculo Polar Ártico, a colônia está longe de qualquer acesso fácil. Apesar das numerosas alegações de abusos e torturas, como privação do sono, todos os pedidos de transferência para uma prisão com melhores condições foram recusados.

As condições na colônia penal foram descritas como severas, com um regime especial em uma zona de permafrost. Ivan Zhdanov, diretor da fundação anticorrupção de Navalny, destacou que era extremamente difícil chegar lá e que não havia sistemas de entrega de correspondência.

Navalny passou suas últimas semanas em uma prisão siberiana ao norte do Círculo Polar Ártico, onde relatou condições desafiadoras. Em uma videoconferência com um tribunal de Moscou em janeiro, descreveu as condições “congelantes” dentro da prisão, mencionando que dormia debaixo de um jornal para se aquecer e tinha apenas 10 minutos para suas refeições.

Segundo Yarmysh, porta-voz de Navalny, as condições na prisão siberiana eram ainda mais severas do que nas proximidades de Moscou, onde ele havia sido inicialmente detido. Ela destacou o rigoroso frio do norte e o fato de que a luz solar durava apenas duas horas por dia na região.

No Dia dos Namorados, um dia antes de falecer, Navalny compartilhou uma mensagem emocional nas redes sociais para sua esposa, Yulia:

“Querida, com você tudo é como uma música: há cidades entre nós, luzes de decolagem de aeródromos, tempestades de neve azuis e milhares de quilômetros. Mas sinto que você está perto a cada segundo e te amo cada vez mais”,

A Morte de Navalny e o Inverno Russo da Oposição

Apesar das reclamações de maus tratos, todos os pedidos de transferência para uma prisão, todos os pedidos para que Navalny fosse transferido para uma prisão com melhores condições foram negados até que na sexta-feira, 16 de fevereiro, quando o sistema prisional russo informou que durante sua caminhada matinal, Navalny se sentiu mal, desmaiou e morreu.

Segundo as informações preliminares fornecidas pelo serviço prisional russo, Navalny sofreu um mal súbito enquanto fazia sua caminhada matinal no pátio da prisão, perdendo a consciência e caindo. Os russos informaram que Navalny foi socorrido pelos serviços de emergência da prisão, mas não resistiu e morreu no local.

Um vídeo gravado no dia anterior, quinta-feira, 15 de fevereiro, mostra Navalny aparentemente bem de saúde, fazendo inclusive piadas ao juiz e pedindo dinheiro após mencionar que a justiça russa bloqueou todos os seus fundos. Não há e provavelmente nunca haverá nenhum elemento que ligue diretamente Vladimir Putin à morte de Alexei Navalny. No entanto, o falecimento de Navalny às vésperas das eleições presidenciais na Rússia, faltando apenas um mês para o pleito, deixa Putin em uma posição mais confortável, especialmente depois de ter barrado as candidaturas dos quatro candidatos que poderiam representar uma oposição real.

Se Putin foi ou não o responsável direto pela morte de Navalny, nunca saberemos, mas essa sugestão permanecerá eternamente no ar, já que não é a primeira vez que um opositor direto de Vladimir Putim sofre algum tipo de mal súbito ou acidente em um momento conveniente, como no caso do avião de Yevgeny  Prigozhin, ex cozinheiro de Putin e comandante do grupo Wagner de mercenários, que explodiu no ar logo após decolar de Moscou em 2023. Prigozhin, que lançou um complô armado na Rússia, chegando até mesmo a marchar com uma coluna de blindados para derrubar o ministério da defesa e o estado maior russo, foi eliminado dois meses após o incidente, o que serviu para mostrar que qualquer oposição armada contra Putin resultará na eliminação dos envolvidos.

Assim como no caso de Prigozhin, Navalny sofreu o mesmo destino, mas a um nível político. O regime autocrático criado por Putin na Rússia só sobreviverá se ele conseguir manter sob controle todos ao seu redor. A melhor forma de alcançar isso é através do medo e da certeza de que qualquer tentativa de desafio ao grande líder resultará em consequências graves, como uma queda durante uma caminhada matinal em uma colônia penal na Sibéria.

Valores liberais

A história de Alexei Navalny, desde sua corajosa cruzada contra o regime de Vladimir Putin até sua trágica morte, levanta questões profundas sobre os valores liberais de democracia e liberdade política, conforme analisados por filósofos como Montesquieu, John Locke e Hayek.

Montesquieu, conhecido por sua teoria da separação dos poderes, defendia que a liberdade política poderia ser preservada através do equilíbrio entre os poderes executivo, legislativo e judiciário. No entanto, no caso de Navalny, vemos um claro desequilíbrio de poder, com o governo russo utilizando seu controle sobre o sistema judicial para silenciar a oposição e reprimir a dissidência política.

John Locke, por sua vez, argumentava que o governo tem a obrigação de proteger os direitos naturais dos cidadãos, incluindo o direito à vida, liberdade e propriedade. A perseguição e o tratamento desumano sofrido por Navalny às mãos do estado russo representam uma clara violação desses princípios fundamentais, evidenciando a falta de respeito pelos direitos individuais e pela dignidade humana.

Friedrich Hayek, defensor do liberalismo clássico, alertava sobre os perigos do autoritarismo e da concentração de poder nas mãos do estado. A trajetória de Navalny e seu confronto com o regime de Putin destacam os riscos de um governo autoritário e as consequências para a liberdade política e os direitos humanos. A incapacidade de Navalny em concorrer democraticamente, sua prisão arbitrária e o suspeito envenenamento refletem as ameaças que os regimes autoritários representam para a democracia e para a sociedade civil.

Em última análise, a história de Alexei Navalny nos lembra da importância contínua de defender os valores liberais de democracia, Estado de direito e direitos humanos. Diante das tentativas de silenciar a oposição e reprimir a dissidência política, é essencial permanecermos vigilantes na defesa desses princípios fundamentais, tanto em casa quanto no exterior. A morte de Navalny serve como um lembrete sombrio dos perigos do autoritarismo e da necessidade de resistir à tirania em todas as suas formas.


Thiago Carvalho

*As opiniões do autor não representam a posição do Damas de Ferro enquanto instituição.


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