A nobreza do século XXI: novos privilégios e novos desafios.

A nobreza do século XXI: novos privilégios e novos desafios

Em Março de 2022 o Estadão teve acesso a números deveras interessantes sobre o custo do Congresso Nacional: 

O Brasil tem o segundo Congresso mais caro do mundo, em números absolutos. Só o parlamento dos Estados Unidos – a maior economia do mundo – possui orçamento superior. É como se cada um dos 513 deputados e 81 senadores brasileiros custasse pouco mais de US$ 5 milhões por ano, o equivalente a R$ 23,8 milhões na cotação da última sexta-feira. Os dados, aos quais o Estadão teve acesso, são a conclusão de um estudo de pesquisadores das universidades de Iowa e do Sul da Califórnia e da UnB.1

Quando lembramos que aqueles que ganham salários exorbitantemente altos contam, ainda, com benefícios adicionais como auxílio-moradia, por exemplo, fica difícil não comparar a nata do funcionalismo público brasileiro com a nobreza do século XVIII. Eu duvido que alguém ache esta uma comparação exagerada, dadas as circunstâncias, mas por via das dúvidas, achei por bem trazer as observações de Eric Hobsbawm em sua obra “A era das revoluções: 1789-1848”. 

As 400 mil pessoas aproximadamente que, entre os 23 milhões de franceses, formavam a nobreza, a inquestionável “primeira linha” da nação, embora não tão absolutamente a salvo da intromissão das linhas menores como na Prússia e outros lugares, estavam bastante seguras. Elas gozavam de consideráveis privilégios, inclusive de isenção de vários impostos (mas não de tantos quanto o clero, mais bem organizado), e do direito de receber tributos feudais. (HOBSBAWM, 2015, p. 129)2

A nobreza atual não tem títulos, mas lida com os cargos públicos – eletivos ou não – como se estes os transformassem em nobres do século XXI, quanto mais alto seu cargo, maior o seu “título”. Os benefícios financeiros não foram extintos, apenas mudaram sua natureza e ainda são custeados da mesma maneira, com o dinheiro dos impostos, a diferença é que, em 1780, o terceiro estado (a população em geral) vivia sob um regime absolutista. 

Mas há paralelos impressionantes – e deveras assustadores – entre nossas realidades: 

Mas os gastos que exigiam o status de nobre eram grandes e cada vez maiores, e suas rendas caíam — já que eram raramente administradores inteligentes de suas fortunas, se é que de alguma forma as conseguiam administrar. (HOBSBAWM, 2015, p. 130)

Não quero que todas as críticas fiquem apenas sob os ombros dos políticos – que indubitavelmente as merecem – mas que sejam dirigidas à nata do funcionalismo público brasileiro, nos três poderes e nas esferas Municipal, Estadual e Federal. 

Como um último paralelo, o qual não poderia deixar de citar, Hobsbawn descreve um fenômeno que, infelizmente, persiste há séculos e não da nenhum sinal de mudança no futuro próximo: 

Era portanto natural que os nobres usassem seu bem principal, os privilégios reconhecidos. Durante todo o século XVIII, na França como em tantos outros países, eles invadiram decididamente os postos oficiais que a monarquia absoluta preferira preencher com homens da classe média, politicamente inofensivos e tecnicamente competentes. Por volta da década de 1780, eram necessários quatro graus de nobreza até para comprar uma patente no exército, todos os bispos eram nobres e até mesmo as intendências, a pedra angular da administração real, tinham sido retomadas por eles. Consequentemente, a nobreza não só exasperava os sentimentos da classe média por sua bem-sucedida competição por postos oficiais, mas também corroía o próprio Estado através da crescente tendência de assumir a administração central e provinciana. (HOBSBAWM, 2015, p. 130)

Não tenho a intenção incentivar uma revolução, até porque, poucos anos depois de tantas lutas por mudanças o povo francês tornou Napoleão Bonaparte seu Imperador, por meio do voto. A escolha destas passagens é para que a observação que eu fiz ao ter contato com o livro de Hobsbawn e suas descrições da nobreza do século XVIII fossem compartilhadas. 

A máquina pública custa um valor exacerbadamente alto para a população que ao invés de ouvir termos como “Responsabilidade Fiscal”, “contenção de gastos públicos”, “diminuição de privilégios”, dentre outras, ouve rumores de novos impostos sendo pensados, criados e votados em impressionantes 15 segundos. 

Que Vossas Excelências me perdoem, mas é praticamente impossível não chamar a nata do funcionalismo público brasileiro de nobres sem título. Assim como é igualmente impossível não chamar a mim mesma, e a todos os que pagam por seus inúmeros privilégios, de terceiro estado do século XXI, a versão democrática da realidade vivida pelos franceses antes da Revolução. 

Não é uma revolução que solverá nossos problemas, é uma mudança de atitude e de pensamento, uma disposição a educar-se e compreender melhor o que acontece nas esferas de poder e dispor-se a exercer sua cidadania de maneira ativa. A pressão popular funciona maravilhosamente bem quando, pacificamente, alçamos nossas vozes para dizer não a tudo quanto julgamos ser indevido, errado, ou prejudicial. Mas, por que o fazemos tão pouco? 

Escrevi este texto para que esta realidade e sua semelhança assustadora com a nobreza dos tempos absolutistas causem choque em todos os que o lerem. Quem sabe esta equivalência assustadora não provoque algumas pessoas a cobrarem seus representantes eleitos por menos privilégios e mais eficiência, menos gastos com a máquina pública e mais investimentos na população e no que realmente importa para os brasileiros. 

Infelizmente, esta comparação não é um exagero, ou uma fantasia, nem mesmo um palpite para um futuro inacreditável, trata-se da nossa realidade e, sendo assim, cabe citar uma célebre frase de Ayn Rand: 

Você pode ignorar a realidade, mas não pode ignorar as consequências de ignorar a realidade.

– Ayn Rand 

Suellen Marjorry

*As opiniões do autor não representam a posição do Damas de Ferro enquanto instituição.


Referências

  1. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2022/03/27/cada-parlamentar-brasileiro-custa-us-5-milhoes-por-ano.htm
    ↩︎
  2. HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções, 1789-1848 [recurso eletrônico]; Trad. [s.l.]: Editora Paz e Terra, 2015. ↩︎

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