A Coragem de Pensar por Si: Porque a Liberdade Começa na Mente

A Coragem de pensar por si: porque a liberdade começa na mente

Para o polêmico autor Jason Brennan, existem três tipos de eleitores: os Hobbits, que são ignorantes à política; os Hooligans, torcedores fanáticos; e os Vulcanos, as raras pessoas que de fato se interessam por política e a discutem genuinamente. O que faz os Vulcanos serem tão raros é algo bem simples: a maioria das pessoas nunca pensou em toda a sua vida.

Parece estranho, né? Como assim? Temos monólogos na cabeça. Pensamos o tempo todo. 

E é aqui que vem uma pergunta séria, porém inconveniente: será que alguma vez na sua vida você de fato pensou por conta própria? Será que suas ações são realmente livres ou, tal como no filme Matrix, você estaria sendo escravo de algo que nunca percebeu?

A Metáfora da Caixa de Bombons

Ideologias políticas muitas vezes funcionam como uma caixa de bombons, um pacote fechado de idéias (bombons) pré-estabelecidas. Para a maioria das pessoas, se eu elogio uma das ideias de uma ideologia (um bombom da caixa é gostoso), imediatamente já querem me empurrar a caixa dela inteira, fechada. E, por outro lado, se eu critico um item dessa mesma ideologia (um bombom é ruim), imediatamente já querem me empurrar a outra ideologia, também inteira fechada no pacote completo. 

Não é difícil, por exemplo, encontrar pessoas que param de ler um texto ou de ver um vídeo quando encontram uma ideia que destoa muito de sua ideologia. Muitos até fazem questão de deixar claro nos comentários o instante em que pararam. Isso acontece porque, lá no fundo, não querem ler, ouvir, ou conversar sobre algo novo, mas sim terem suas próprias ideias repetidas de volta. Afinal, o prego que se destaca é martelado.

E isso define o Hooligan: uma pessoa cuja visão política se resume a uma partida de futebol. Um nós contra eles. Direita contra esquerda. Burgueses contra operários. Opressor contra oprimido. Indivíduo contra o Estado.

O Vulcano, por outro lado, é quem abre as caixas e escolhe quais são as ideias com as quais de fato concorda, montando um ideário próprio. E note: isso não significa que um Vulcano é uma pessoa moderada ou muito menos de centro. Afinal, assim como um anarquista radical pode ser um Vulcano, muitos moderados e centristas podem ser Hooligans. O que verdadeiramente define o Vulcano é ser autoconsciente em relação às ideias que defende.

Por sorte, tenho o exemplo perfeito.

Identitarismo e Transfobia

Eu sou a pessoa que mais textos escreveu neste blog contra o identitarismo (cultura woke), e que mais fervorosamente denunciou os perigos dessa ideologia. Foram quatro anos e dezenas de textos criticando fervorosamente uma ideologia que tenho alívio em ver finalmente perdendo espaço no debate público.

Apesar disso, tenho diversos colegas da comunidade trans, incluindo uma das minhas amigas mais próximas. Como isso seria possível? Eu mudei de opinião?

Bem…basta ver que em nenhum desses meus textos eu ataquei pessoas trans diretamente, apenas a ideologia identitária. É muito bem documentado que ser transsexual não é uma ideologia, uma vez que temos diversos casos de transsexuais ao longo da história em diferentes civilizações e com ideias diferentes. 

Não foi o woke que criou os trans, mas os trans que optaram pelas ideias woke. E o motivo é meio óbvio: você já viu como a direita os trata? Na direita bolsonarista, Nicolas Ferreira os escracha colocando uma peruca na tribuna e se chamando de Nicole; enquanto a não bolsonarista tem Renan Santos constantemente atacando Erika Hilton chamando-a ironicamente de “modelo linda”.

É uma situação parecida com o que ocorre com os policiais: porque um policial não seria de direita se a todo momento os representantes da esquerda pregam pelo seu fim e exaltam bandidos? Não seria um tanto fora da casinha ver um policial que participou da megaoperação no Rio se manifestar dizendo que a polícia é fascista e que precisamos focar na desmilitarização?

Fato é que, tão efetivo quanto convencer uma pessoa de suas idéias, é fazer ela te odiar a ponto de adotar as ideias que se opõem a você. E foi exatamente isso que o identitarismo (woke) fez: ao passar dez anos tentando outorgar a sua ideologia como o novo senso comum e tratando quaisquer discordâncias como um extremismo reacionário a ser superado, criaram uma geração de inimigos vacinada contra seus argumentos.

Dito isso, é hora de falarmos do Chacrinha.

Pensamento Original vs Pensamento Crítico

“Nada se cria, tudo se copia”. Essa frase do famoso apresentador de TV José Abelardo Barbosa de Medeiros descreve perfeitamente a dificuldade de pensar algo realmente original. Afinal, o mundo não nasceu ontem. Tudo o que acreditamos estar pensando pela primeira vez já foi pensado antes por pessoas mais capacitadas. É frustrante, mas é verdade. E nem mesmo a maioria dos grandes filósofos e professores escapam disso. 

Basta lembrar que, para pensar uma política coletiva original, é preciso primeiro ter valores morais originais; que por sua vez precisam de uma ética original elaborada segundo uma epistemologia original; a qual deve ser criada por uma metafísica original. 

Confuso, né? Bem… em outras palavras, é preciso ter uma visão de mundo e bolar como você sabe que essa visão é verdadeira; para então estruturar como se portar individualmente nessa visão de mundo; como os indivíduos deverão se portar em grupo a partir disso; para só então definir a sua idéia política. 

É muita coisa!

O tipo de pensamento que nós meros mortais conseguimos fazer é o pensamento crítico: analisar fatos, avaliar argumentos e formar julgamentos fundamentados no raciocínio lógico, para então chegarmos a conclusões que não são precipitadas nem distorcem a realidade.

No meu caso, baseio meus pensamentos em Ayn Rand, Joseph Ratzinger (Bento XVI), e Alexis de Tocqueville. Sou um liberal clássico e católico praticante; que acredita no conceito de Verdade e utiliza o método objetivista como uma ferramenta para tal. Crendo no livre mercado, adoto uma interpretação focada na representação dos cidadãos. É apoiado nos ombros desses gigantes que sou capaz de pensar criticamente, e parte de mim conectá-los de modo que não seja contraditório (isso daria outro texto por si só).

Quando não somos capazes de pensamento crítico, ou nos acomodamos no senso comum, como os Hobbits de Brennan, ou nos radicalizamos em nossa própria ideologia como os Hooligans. Em ambos os casos, tem quem se aproveite deles, inserindo a sua própria ideologia dentro de palavras utilizadas no debate público. Assim, quando as outras ideologias defendem o que sempre defenderam, estarão sem nem perceber defendendo a sua ideologia.

Os petistas, por exemplo, conseguiram infiltrar sua ideologia dentro do termo “democracia”, na qual a única forma de preservar o estado democrático de direito e impedir uma ditadura seria elegendo Lula. Assim, tudo a favor de sua ideologia se torna democrático, e tudo que for contra ela, antidemocrático. Foi graças a isso que tentaram passar como lei a censura dos adversários alegando ser pelo bem da democracia.

Justamente para evitar cair nessas armadilhas é necessário ter pensamento crítico. Identificar as nuances das circunstâncias e perceber que pessoas erradas podem defender ideias certas e vice-versa; ou que diferentes correntes de pensamento (como socialismo e liberdade) são incompatíveis demais para serem conciliadas. 

Só que pensar dói. É um exercício constante que podemos esquecer a qualquer momento. Basta ver como muitos intelectuais e especialistas tornam-se o que Thomas Sowell chama de “os ungidos”: pessoas que acreditam defenderem ideias corretas pois foram eles que as pensaram, e que seus oponentes só discordam por não serem tão estudados quanto eles. Basta lembrar da especialista em segurança afirmando que bandidos de fuzil poderiam ser abatidos com pedras: mesmo sendo inteligente, a falta de pensamento crítico a fez não perceber algo que qualquer pessoa na rua seria capaz; pois o excesso de teoria ideológica a convenceu de uma realidade falsa. Uma Hooligan. 

Ser capaz de avaliar a situação tal como ela é, chegando a conclusões concretas independentemente de destoar das opiniões de seus companheiros ideológicos, é ser capaz de pensar por si próprio. Não será um pensamento original, pois vai sim ser baseado em pensadores maiores, mas lhe dará a liberdade de viver sem ser pautado por outros ou defender coisas com as quais não concorda sem perceber. 

O preço da liberdade é a vigilância eterna, até mesmo dentro da sua própria mente.


Paulo Grego

A Coragem de pensar por si: porque a liberdade começa na mente

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