Duas coisas tem me incomodado profundamente nos últimos anos como ativista no meio liberal. Há cerca de 4 anos, eu faço parte do movimento, mas, apesar disso, também estou presente em meios contrários às minhas ideias: eu estudo em uma universidade federal; a maioria dos meus amigos possuem uma visão progressista. Ao andar dentro desses dois mundos, me incomoda ver como o liberal é desinteressado em entender as críticas direcionadas ao movimento, especialmente as relacionadas com questões sociais. Por outro lado, também me atravessa observar que o capitalismo odiado pelos progressistas não é o “verdadeiro” sistema defendido pelos liberais.
Antes de aprofundar minha insatisfação com ambos os lados, vale ressaltar que estou retratando uma visão particular referente as minhas experiências e percepções dos ambientes que estou presente.
O elitismo do movimento liberal
Antes de iniciar minha reflexão, preciso lembrar do que eu não estou criticando, o que não será o alvo, o que eu acredito e apoio: Capitalismo laissez-faire de livre mercado sem intervenção estatal; as funções do governo sendo apenas atuar no cumprimento de contratos e na proteção dos direitos individuais; valores baseado na objetividade, meritocracia e responsabilidade individual. Entretanto, claro que a sociedade que vivemos hoje não é baseada 100% nesses princípios, não vivemos o capitalismo laissez-faire, então há muitas consequências e desigualdades geradas devido a não vivermos nesse sistema.
Nesse sentido, então, como falar em meritocracia quando uma jovem de 21 anos que mora nos bairros da orla do Rio de Janeiro está em um contexto social e econômico totalmente diferente de uma jovem da mesma idade que mora em uma cidade há mais de 50 km da capital? Infelizmente sorte é o que nos separa de ter nascido em uma família de classe alta ou em uma família pobre, não acredito em injustiça social nesse contexto. A injustiça está quando não reconhecemos que o sistema em que vivemos hoje (que não é o capitalismo puro) privilegia pessoas ricas em detrimento das mais pobres. Muitas das vezes o Estado sendo o causador e perpetuador dessas desigualdades, especialmente no contexto brasileiro. Além de causar e manter esse sistema, o Estado muitas das vezes atrapalha o pobre ascender socialmente com a meritocracia, afetando diretamente a liberdade e responsabilidade individual.
Frequentemente o privilégio de uma minoria elitizada em detrimento da maioria pobre é um cenário mencionado na história brasileira. Desde a exploração na colonização, aos privilégios da monarquia e, posteriormente, aos abusos da oligarquia no início da República. Mas a direita e os conservadores na política atual parecem ignorar os efeitos dessa herança de ausências de direitos e liberdade.
No meu exemplo pessoal, eu moro há quilômetros da capital do Rio de Janeiro, e infelizmente, todos os esforços do movimento liberal no meu estado são focados exclusivamente na capital, mas não de forma geral, mas sim na zona mais rica da cidade, os bairros periféricos e cidades vizinhas estão longes da discussão. Não conheço os cenários de outros estados do Brasil, mas aqui, o liberalismo só anda nos corredores das faculdades privadas de ricos e nas ruas da zona sul. Seria uma ignorância da realidade eu afirmar que o liberalismo não é elitizado aqui.
Porém, surpreendentemente, o liberalismo existe nas periferias, existe no favelado que empreendeu e mudou de vida, existe no pequeno empresário da Baixada Fluminense que sofre com os impostos e restrições do Estado, e existe nas universidades federais, como a que eu estudo, muitos colegas são liberais ou simpatizantes a ideias. Mas porque o liberalismo não olha pra cá?
Anos atrás, quando eu tentei movimentar o liberalismo na minha região surgiram diversos impeditivos. O primeiro foi a dificuldade de iniciar uma liderança sem o apoio dos grupos liberais consolidados (presentes apenas na capital). Na minha visão, desinteresse justificado por desconhecimento, comodismo e preconceito. Mas o maior impedimento é o causador desse comportamento. Como o liberalismo é apenas cultivado em ambientes de maior prestígio, o discurso de luta de classes abraça os mais pobres que carentes de uma ideologia, encontram sentido e “soluções” para o problema da pobreza nos discursos progressistas.
Na Baixada Fluminense, região metropolitana do Rio de Janeiro, o abandono do Estado é evidente. Com baixo desenvolvimento socioeconômico, pouco acesso à cultura e lazer, e um transporte público precário que obriga milhares a enfrentarem até três horas diárias de deslocamento até a capital, a população vive à margem. A criminalidade preenche o vazio deixado pelo Estado de Direito, sendo muitas vezes mais presente que o próprio poder público — seja na figura do prefeito, seja do governador. Nesse cenário, não é surpresa que ideias progressistas e assistencialistas ganhem força. Elas falam diretamente com a dor das pessoas, prometendo soluções imediatas onde a liberdade sozinha parece abstrata demais para alimentar, curar ou proteger.
Mas essa proposta não seria coletivista? Como isso faria sentido se nós liberais não defendemos liberdade positiva? Sim, eu sei. Eu acredito no individualismo. E eu não escolho as ideias de livre mercado porque podem levar ao “bem-estar social”, como quem acredita num efeito colateral conveniente. Escolho porque elas defendem os direitos do indivíduo. Ponto. Não é sobre salvar o mundo, é sobre não violentar ninguém no processo de viver, mas não vivemos num verdadeiro livre mercado.
Vivemos num capitalismo distorcido, onde empresários se beneficiam da miséria e da exploração, não pela eficiência ou mérito, mas por conchavos, subsídios, monopólios e legislações feitas sob medida. E sim, eu vou criticar esse sistema. Vou me opor a quem lucra violando direitos individuais, a quem constrói impérios sobre o prejuízo alheio. Isso não é capitalismo de verdade — é uma caricatura corrupta dele. O verdadeiro liberalismo não compactua com isso. Não defende liberdade para poucos e jugo para muitos. Lucro sem respeito à liberdade é só mais uma forma de coerção.
Contudo, é esse capitalismo clientelista que a esquerda acha que a gente defende. O “capitalismo malvadão”, não é o livre mercado que queremos, mas a simbiose podre entre poder político e econômico. Às vezes, essa imagem é disseminada de propósito, para manipular. Outras vezes, é só ignorância e no fim, o debate vira um teatro de espantalhos: de um lado, quem defende liberdade é visto como cúmplice de exploração; do outro, quem critica injustiça é chamado de socialista.
Por que o movimento liberal se cala? A omissão ou elitismo?
Diante disso, eu volto à pergunta: por que o movimento liberal se cala?
Seria medo de criticar esse capitalismo deformado, porque ainda carrega um rótulo “capitalista” e isso soa familiar, seguro? Seria preguiça — a comodidade de ficar na bolha, de não se envolver com as periferias, com a complexidade social além do seu CEP? Ou seria elitismo mesmo? Preconceito, racismo, ou simplesmente a recusa em dialogar com quem tem um estilo de vida diferente?
Não sei. Não posso acusar ninguém, nem caberia num artigo curto como esse investigar todas essas motivações. Mas uma coisa é visível, palpável, concreta: o silêncio existe. É real.
O movimento liberal enfrenta barreiras, sim — muitas externas, mas muitas também foram construídas por nós mesmos. E se a gente diz que quer um mundo mais livre, alguma coisa na nossa atitude precisa mudar. Porque liberdade que não atravessa o asfalto rachado da periferia não é liberdade. É fachada.

*As opiniões do autor não representam a posição do Damas de Ferro enquanto instituição.