Sindicatos: O que são, Como Surgiram e o que Realmente Representam?

Sindicatos: O que são, Como surgiram e o que Realmente representam?
Sindicato dos professores em greve cobrando reajuste salarial do Governo do Estado do Amazonas. (17/05/23) – Foto:  Jucélio Paiva/Rede Amazônica

Introdução

Quando pensamos em sindicatos, muitas vezes pensamos em pessoas dentro de uma sala, na frente de uma empresa privada ou na sede do poder público gritando palavras de ordem, pedindo melhores condições de emprego, salários e afins. De fato, isso é uma ação comum de muitos sindicatos, e muitas vezes legítima.

Existem sindicatos que não tem tanta projeção nacional, mas há aqueles que têm ligações profundas até com o governo federal, e que muitas vezes são convencidos a atuar em prol deste, em troca de favores e vantagens políticas e econômicas. 

Mas será que sempre foi assim? E se voltássemos um pouco no tempo para entender como surgiram os sindicatos? e qual foi e qual continua sendo a sua relevância para as forças de trabalho mundo afora? É isso que buscaremos responder através deste artigo.

Sindicatos: O que são?

De acordo com o conceito disponível no site da Jusbrasil1, elaborado pelo Sindicato dos trabalhadores do Poder Judiciário Federal dos Estados de Pará e Amapá (SINDJUF-PA/AP), um sindicato é uma associação de trabalhadores, cujo objetivo é a defesa dos seus interesses e direitos profissionais e individuais. A cada trabalhador é livre a escolha de se associar a um sindicato,  sendo este livre para estruturar e regulamentar o seu funcionamento, bem como definir os métodos e os objetivos comuns da organização. 

A Constituição Federal2 de 1988, no art. 8 é dito que é livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

Art. 8º I – a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical;

(…)

Art. 8º III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas.

(…)

Ou seja, no Brasil, via de regra, as associações sindicais são de livre formação, podem atuar na criação e manutenção de determinados direitos como reajustes, insalubridade, aposentadoria, etc, bem como na defesa de direitos já adquiridos, porém ameaçados por empregadores ou pelo próprio governo.

Agora que temos uma ideia do que são sindicatos, iremos ver como esse modelo de associação começou e se espalhou pelo mundo até chegar no que conhecemos hoje. Vamos lá!

Como Surgiram?

Da Inglaterra para o Mundo

Desenho de uma moça trabalhando em uma indústria têxtil durante a 1ª Revolução Industrial. 
Autor: J. Tingle.

A origem do sindicalismo está intrinsecamente ligada ao contexto da Revolução Industrial e à consolidação do capitalismo na Europa.

A 1ª Revolução Industrial ocorreu no século XVIII, e teve início na Inglaterra. Naquela época, a maioria das pessoas na Europa vivia em áreas rurais e sobreviviam da agricultura. As condições de vida eram difíceis, com escassez de alimentos, de água potável, de saneamento básico e de oportunidades de emprego. 

Estudos sobre os séculos que antecederam o surgimento do Capitalismo3, destacam que durante a idade média, especificamente no século século XIV, do total de um total de 80 milhões de habitantes no continente europeu, cerca de 60 milhões eram camponeses. A grande maioria desses camponeses eram servos de senhores feudais, vistos como posses, e proibidos de circular fora do feudo sem a autorização do seu senhor.

Mas a partir da segunda metade do século XVIII, com o surgimento da 1ª Revolução Industrial (1760-1840), o mundo passou por transformações tecnológicas, econômicas e sociais profundas, que marcaram a história e permitiram que o sistema capitalista fosse consolidado. Novas oportunidades para o comércio e a produção de bens em larga escala surgiram, além de milhares de empregos. O Capitalismo ao longo dos anos gerou riqueza em um nível sem precedentes, tornou viável o desenvolvimento de novas tecnologias como a eletricidade, meios de transporte,  comunicação, entre outros avanços4.

Contudo, por mais que nesse período tenham ocorrido avanços, a mentalidade de muitos dos empresários da época era a mesma dos senhores feudais de anos atrás: os trabalhadores continuavam sendo vistos como posses. Eram obrigados a trabalhar por longas horas, expostos a ambientes barulhentos e perigosos na mais completa insalubridade. Homens, mulheres e até crianças eram expostos a essa realidade⁵.

Em 1808, o poeta William Blake descreveu as fábricas britânicas da época como “moinhos satânicos escuros”5, tamanhos eram os descasos com o bem estar dos operários. Muitos donos de fábricas queriam que seus trabalhadores se esforçassem mais do que as máquinas que operam. Longas jornadas, mínimo de feriados, cortes de salários de seus trabalhadores caso as vendas diminuíssem, essa era a realidade de boa parte das indústrias da época, especialmente dos moinhos.

É nesse período que os sindicatos começam a surgir com mais força, pois já existiam desde o século XIII, sendo extensões de guildas de artesãos, e posteriormente formado por classes trabalhadoras especializadas. Os sindicatos buscavam defender os direitos dos trabalhadores. Eram capazes de coletar recursos dos membros e apoiar aqueles trabalhadores que ficavam incapacitados, consequentemente impedidos de trabalhar. Também permitiram o poder de negociação coletiva, onde os trabalhadores poderiam negociar seus salários. Os sindicatos também poderiam ameaçar de fazer greve, mas os membros eram temporariamente remunerados pelo sindicato através das taxas de filiação.

Muitas empresas odiavam a ideia de seus trabalhadores se sindicalizarem. Se um sindicato não pudesse ser desfeito, os empregadores perseguiam os membros de forma individual, sendo corriqueiramente alvos de discriminação. Em 1830, muitas empresas insistiam que os novos trabalhadores assinassem um termo declarando que não eram filiados a nenhum sindicato. O governo também sofria pressão das empresas, o que resultou em uma série de leis para mitigar qualquer organização ou revolta por parte dos operários. Entre elas temos as Leis de Combinação (Combination Acts), que proibiram os sindicatos e as associações coletivas de qualquer natureza por trabalhadores de 1799 a 1824. Em 1823, a Lei de Mestre e Servidor (Master and Servant Act) impossibilitou a realização de greves, tornando como ofensa criminal o descumprimento do contrato de trabalho. E por fim, em 1825, a Lei de Combinação de Trabalhadores (Combinations of Workmen Act),  que proibia os trabalhadores de coletivamente de buscar mudanças em suas horas de trabalho ou pagamentos. 

Porém, a partir de 1830 as coisas começam a melhorar gradualmente. Em 1833 o Parlamento Inglês buscou limitar a exploração que os empregados sofriam através de novas leis, começando na indústria do algodão, e posteriormente se estendendo a trabalhadores de outras áreas. No mesmo ano, a Lei de Fábricas (Factory Act), limitou que abaixo de 9 anos as crianças eram proibidas de trabalhar, não podendo trabalhar mais do que 8 horas diárias se tivessem 9 a 13 anos, e 12 horas diárias se tivessem 14 a 18. Proibia as crianças de trabalhar durante a noite e obrigava que elas tivessem pelo menos duas horas de educação diariamente. Em 1844, a mesma lei limitou até 12 horas o horário de trabalho para  homens, mulheres e crianças. As máquinas consideradas perigosas deveriam ser colocadas em um espaço separado, e ela também impôs regulações sanitárias. Três anos mais tarde, a Lei de Fábricas limitou novamente o horário de trabalho, dessa vez para até 10 horas.

Os sindicatos começaram a ganhar cada vez mais força. No entanto, mesmo quando muitos trabalhadores da mesma área se associavam, a exemplo da Sociedade Amalgamada de Engenheiros (Amalgamated Society of Engineers), de 1851, apenas buscavam melhorar a situação das suas profissões, e não dos trabalhadores das demais áreas. Buscou-se então uma colaboração entre todos os sindicatos diversas vezes, mas foi apenas em 1868, com o surgimento do Congresso Sindical (Trades Union Congress – TUC), que os trabalhadores realmente conseguiram um poder ainda maior. Os sindicalistas conseguiram maiores avanços quando optaram pelo diálogo e negociação com as empresas, abordagem essa chamada de  Novo Modelo de Sindicalismo (New Model Unionism).

Ao longo de sua trajetória, o sindicalismo passou por diversas transformações,e  foi influenciado por diversas correntes ideológicas, o que conferiu uma certa flexibilidade ao movimento, que adotou, em diferentes momentos, ideias reformistas, comunistas, populistas, entre outras.

“Campesino: A revolução te dará a terra”

Autor:  Bauset (1936). Espanha.

Além da vertente socialista e comunista de muitos sindicatos, existiu com maior protagonismo uma outra corrente denominada anarquista, também chamada de sindicalismo revolucionário⁶. Surgindo no final do século XIX e ganhando projeção no século seguinte, os anarcossindicalistas defendem o fim do Capitalismo e do Estado. 

Originado na Itália, Espanha e França, os anarcos sindicais são avessos a qualquer organização centralizada e que delegue para si a representação dos trabalhadores, como por exemplo empregadores, políticos e terceiros. Com o passar dos anos e com a influência soviética, muitos sindicatos adotaram as vertentes socialistas e comunistas, inclusive no Brasil.

No Brasil

O movimento sindical no Brasil no começo do século XX foi marcado por diferentes correntes ideológicas6. No ano de 1908 foi criada a Confederação Operária Brasileira (COB) que uniu várias associações de classe, promovendo campanhas contra ações policiais, apoio a greves, além de manifestações públicas. Em 1922, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) foi fundado, exercendo forte influência no movimento sindical. 

De 1930 a 1945, a Era Vargas trouxe ao Brasil mudanças significativas no movimento operário. O Ministério do Trabalho foi criado em 1930 e a Lei da Sindicalização em 1931 foi promulgada e, entre outras matérias, proibia a propaganda ideológica nos sindicatos. Os sindicatos também ficaram sob o controle do Estado. Contudo, nos anos seguintes, Vargas implementou leis sociais e trabalhistas, estabelecendo critérios de aposentadoria, jornada de trabalho de 8 horas e proteção ao trabalho feminino, salário mínimo, aposentadoria etc.

Em 1935, a formação da Aliança Nacional Libertadora (ANL) e a  Revolta Comunista6 resultaram em uma repressão do governo ao movimento sindical, marcando o início de uma repressão aos comunistas e aos operários durante o Estado Novo. Após o fim da Era Vargas em 1945, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e os comunistas foram considerados ilegais. E em 1965, durante o Governo Militar, os movimentos sindicais desapareceram. Embora alguns ainda funcionassem, estes continuavam vinculados e controlados pelo Estado. 

Durante os anos de 1979 a 1981, as eleições sindicais viram a ascensão do Novo Sindicalismo. Em agosto de 1984, foi realizado em São Bernardo o 1º Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), recém-fundada, com a presença de 5.260 delegados de todos os estados do país, e que estavam representando 937 entidades sindicais. Foram lançados os princípios de uma nova proposta sindical, que resultou em uma maior autonomia dos sindicatos no Brasil.

O que Realmente Representam?

No Brasil e no Restante do Mundo

Os sindicatos ao redor do mundo operam de maneiras diferentes. Desse modo, cada movimento sindical em cada região representa um modelo diferente de negociação entre empresas, governos e trabalhadores.

Nos Estados Unidos, por exemplo, os sindicatos operam como escritórios de advocacia7. Os trabalhadores de determinada empresa ou conglomerado de empresas escolhe um sindicato que os represente nas negociações, e em troca lhe pagam uma taxa negocial. Já na Itália, os sindicatos a nível nacional negociam normas gerais que abrangem todo o país. As normas mais específicas são negociadas pelos sindicatos a nível regional. E as normas locais, pelos sindicatos locais. No Brasil, os sindicatos têm maior autonomia. A Constituição Federal dispõe sobre as competências dos sindicatos, conforme colocado no começo do texto.

 Para solicitar um registro sindical no Brasil é relativamente simples, e para se sindicalizar também. E isso pode ser observado na tabela abaixo.

Gráfico 1:Taxa de Sindicalização (apenas assalariados) em Diferentes Países (2012-2014)

Fonte: Dados de AIAS/IC+wss, OECD e ILO.

Até 2015, cerca de 10.817 sindicatos estavam registrados no Brasil, de um total de 17 milhões de sindicalizados8, contando apenas os assalariados. Se pensarmos que cada sindicato atua, em tese, não somente em prol dos seus sindicalizados, mas para todos que trabalham na mesma profissão, o número de trabalhadores que seriam beneficiados por esses sindicatos pode ser muito maior.

Contudo, de 2012 até 2022, houve uma queda de 9,2% no número de sindicalizados8:

Tabela 2: Taxa de Sindicalização (%), por Posição na Ocupação e Categoria de Emprego

Fonte: PNAD Contínua Características Adicionais do Mercado de Trabalho – 2022

De acordo com Adriana Beringuy, coordenadora de pesquisas por amostra de domicílios do IBGE a “expansão da população ocupada nos últimos anos não resultou em aumento da cobertura sindical. Isso pode estar relacionado a diversos elementos, como aprofundamento das modalidades contratuais mais flexíveis introduzidas pela Reforma Trabalhista de 2017, formas independentes de inserção dos trabalhadores na produção em alternativa à organização coletiva, e o uso crescente de contratos temporários no setor público9”.

Ao longo dos anos os sindicatos enfrentaram desafios diversos. No entanto, atualmente, observa-se uma queda na taxa de sindicalização, o que coloca em evidência novos desafios, como a necessidade de se adaptar a um contexto de transformações econômicas, avanços tecnológicos e novas formas de trabalho.

Apesar desses desafios, os sindicatos continuam sendo atores importantes na defesa dos direitos dos trabalhadores, na negociação coletiva e na busca por condições dignas de trabalho. A sua capacidade de se reinventar e se adaptar aos novos cenários, representando de forma efetiva os interesses de seus membros, será fundamental para sua relevância contínua na construção de uma sociedade mais justa e equitativa.


*As opiniões do autor não representam a posição do Damas de Ferro enquanto instituição.


Referências

  1. JUSBRASIL. O que é um Sindicato?. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/noticias/o-que-e-um-sindicato/100014787>. Acesso em: 10 nov. 2023.
    ↩︎
  2. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 10 nov. 2023. ↩︎
  3. ROWLING, Marjorie. Life in Medieval Times. Reino Unido: Penguin Publishing Group, 1973. ↩︎
  4. HARARI, Yuval Noah. Sapiens, Uma breve história da humanidade: Sapiens. Tradução de Janaína Marcoantonio. Porto Alegre: L&PM, 2014.
    ↩︎
  5. World History Encyclopedia. Os Sindicatos na Revolução Industrial Britânica. Disponível em: <https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-2212/os-sindicatos-na-revolucao-industrial-britanica/>. Acesso em: 20 nov. 2023.
    ↩︎
  6. SINDICATO DOS TRABALHADORES TÉCNICO-ADMINISTRATIVOS EM EDUCAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR NO TRIÂNGULO MINEIRO E ARAXÁ (SINTET-UFU). História do Sindicalismo. Disponível em: <http://www.sintetufu.org/historia-do-sindicalismo/>. Acesso em: 23 nov. 2023. ↩︎
  7. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Conheça a realidade sindical em outros países. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/59854-conheca-a-realidade-sindical-em-outros-paises/. Acesso em: 23 nov. 2023.
    ↩︎
  8.  IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Desenvolvimento urbano e regional no Brasil: novas tendências e velhos problemas. Texto para Discussão nº 2262. Disponível em: <https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/7353/1/td_2262.pdf>. Acesso em: 23 nov. 2023.
    ↩︎
  9. AGÊNCIA DE NOTÍCIAS IBGE. Taxa de sindicalização cai para 9,2% em 2022, menor nível da série. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/37913-taxa-de-sindicalizacao-cai-a-9-2-em-2022-menor-nivel-da-serie. Acesso em: 23 nov. 2023.
    ↩︎

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