É isso mesmo que você leu: o Google corre sério risco de acabar nos próximos anos. A ferramenta de busca que para muitos é sinônimo de internet pode simplesmente desaparecer, tornando este um dos momentos mais cruciais para a empresa. Esse risco iminente é reflexo das mudanças no cenário tecnológico, especialmente com a recente decisão da Apple de abandoná-lo como mecanismo de busca padrão. Além disso, esse cenário é também uma aula sobre como a política e a defesa de ideias funcionam na era digital.
Todas as opções, mas nenhuma escolha
Mesmo que haja outras opções melhores para tudo no mundo da tecnologia, as pessoas tendem a usar apenas as opções padrão que já conhecem. Um excelente exemplo disso são os apps de câmera de nossos celulares: os celulares Motorola permitem ao usuário ligar sua câmera com um gesto e tirar fotos filtrando apenas a cor desejada; enquanto os celulares Samsung tem um modo específico de foco para tirar fotos de comida; e ambos permitem gravar em câmera lenta. Ainda assim, a maior parte dos usuários ignora tudo isso e só conhece as funções de tirar foto e gravar.
O poder da opção padrão também não pode ser ignorado no mundo digital quando se trata de produtos competindo, e o exemplo perfeito disso é o Internet Explorer. Sim! Aquele tido hoje como um meme de lentidão, muito inferior a todas as alternativas. E se eu te dissesse que ele foi o grande ganhador da primeira guerra de navegadores? Seu principal oponente era o navegador Netscape, com os outros competidores sendo Mosaic e Nexus. Como ele conseguiu ganhar? Simples: essa era uma época em que navegadores de internet eram serviços pagos e mais de 90% dos computadores usados era Windows, então a Microsoft passou a oferecer o Internet Explorer já instalado de graça em todos os computadores que vendia!
Dito isso, se ser a opção padrão é tão poderoso assim, como que o Internet Explorer foi derrotado e descontinuado? Em uma palavra: inovação.
Inovação, a mãe do progresso e da liberdade
A Mozilla Corporation utilizou o código do defunto Netscape para construir o navegador Firefox em 2004. Não apenas mais rápido, ele também tinha seu código aberto, o que permitia uma altíssima customização. Já o Google Chrome surgiria em 2008 implementando as mesmas inovações do Firefox, mas inovando ainda mais com sua compatibilidade com o Gmail.
Frente a esses dois, o Internet Explorer não conseguiu se adaptar a tempo mesmo sendo a opção padrão, e ficou para trás. Seu fim nos lembra como estagnar no mundo dos desenvolvedores significa a morte, uma vez que a frequente inovação dos competidores traz um constante risco de se tornar ultrapassado.
Pense no mundo digital como um ambiente onde aqueles que se apegam ao passado dificilmente sobrevivem contra os amantes da inovação, o que politicamente explica o porquê de tantos programadores serem progressistas ou libertários. Afinal, faria sentido a um desenvolvedor se limitar aos costumes e tradições da idade do bronze quando seu trabalho envolve códigos que diariamente recebem updates e correções de bugs?
No caso dos libertários, a inovadora revolução tecnológica das criptomoedas e blockchains acaba por vender o sonho objetivista de romper com um Estado distópico e parasitário, possibilitando uma utopia de indivíduos livres e independentes. Já o progressismo estaria mais presente na Inteligência Artificial (IA), onde a diversidade é uma força. Isso ocorre porque, quando dados alimentados à IA tem algum viés, ela pode acabar ficando viciada em uma única resposta (overfitting), gerando resultados indesejados.
Indesejados como? Bem…basta lembrar do escândalo que foi quando o novo algoritmo do Twitter passou a recortar fotos para dar foco apenas em rostos de brancos e escondendo os rostos de negros. Note como o comportamento do código não foi racista (afinal, código não pensa), mas sim um resultado indesejado dos dados fornecidos, o que muitas vezes é causado pelo viés étnico e social limitado de seus programadores.
Seguindo essa lógica, um código desenvolvido por uma equipe diversificada, composta por indivíduos de diferentes origens, como brancos, negros, mulheres e homossexuais, hipotéticamente apresentaria resultados menos enviesados (e, portanto, superiores) àqueles produzidos por uma equipe formada apenas por homens brancos, heterossexuais e cisgêneros.
Note como a atuação política destes dois grupos é uma extensão das tecnologias com que trabalham. Mais interessante ainda é que, no caso dos progressistas, toda sua atuação política envolve justamente as opções padrão. E com música.
Qual a raiz tecnológica do movimento progressista?
Ouvir música ou podcasts em nossos fones de ouvido é algo tão corriqueiro que parece até absurdo duvidar que eles não dariam certo, mas foi o caso quando foram inventados. Isso porque, antes deles existirem, escutar música era um hábito coletivo (ópera, rádio, Igreja, shows, etc). Com a invenção dos fones, porém, as novas gerações aderiram a um novo hábito musical e o passaram para frente como a opção padrão de se ouvir música. Assim, mesmo que as gerações antigas ainda prefiram seu velho hábito, ele deixará de existir naturalmente com a renovação da população.
Pasme: este é o perigo que o Google vive atualmente! Com a descoberta do ChatGPT como uma fonte de informação iterativa sem precedentes, e a geração Z preferindo pesquisar através de vídeos do Tiktok ao invés do Google, a ferramenta de busca de texto está perto de se tornar obsoleta! Caso a Google perca seu trono como a ferramenta padrão de toda a internet, ela se torna só mais um competidor, e, se não conseguir inovar a tempo suficiente, corre o risco de se tornar o Internet Explorer da nova geração.
Entretanto, saiba que essa mudança não precisa ser natural. Ela pode ser direcionada pelos desenvolvedores, como vimos no caso do ebay: o site era originalmente amarelo, e mudá-lo da noite pro dia para branco desencadeou a fúria de seus usuários. Então o ebay decidiu voltar o site para a cor original, porém diminuindo os tons de amarelo gradualmente ao longo de meses. No fim, o ebay ficou totalmente branco, ninguém percebeu, e quem o conheceu depois nem lembra mais que ele algum dia foi um site amarelo!
Este método tecnológico para mudanças direcionadas é também utilizado por progressistas politicamente, desistindo-se de convencer a geração atual de suas ideias políticas e focando em difundir-las ao máximo entre as gerações mais novas. Dessa forma, certas crenças e posicionamentos políticos de seus adversários deixam de existir naturalmente com a renovação populacional.
Um exemplo atual disso acontecendo é a cobertura da Copa do Mundo de Futebol Feminino pela Rede Globo, onde a pressão midiática para torná-lo mais popular é tanta ao ponto de haver até lobby para que os dias dos jogos sejam ponto facultativo. É uma medida que talvez se estranhe, afinal a Globo perdeu 40% de sua audiência ao substituir o futebol masculino de alguns de seus horários pelo impopular feminino. Ainda assim, a empresa não está preocupada com a repercussão negativa e mantém sua pressão no tema na certeza de que a única razão para a falta de popularidade do futebol feminino seria as pessoas não estarem acostumadas com ele. Ou seja, seria um machismo da parte da nossa sociedade ter exibido apenas o futebol masculino, acostumando-nos a gostar só dele e resultando na falta de popularidade do futebol feminino.
Assim, ao incluir o futebol feminino em sua grade de maneira forçada, espera-se que a audiência se acostume com esse novo padrão e, consequentemente, a nova geração de espectadores seja reeducada de acordo com os novos valores desejados e substitua a velha geração que os rejeita. É uma tática que a Globo notavelmente também aplica em suas novelas, programas de rádio e telejornais.
Dito isso, este texto não é uma crítica ao progressismo da Globo em si. Afinal, mesmo eu tendo meu viés como católico e liberal, também sou uma pessoa do ramo da tecnologia e reconheço os benefícios desse método de renovação: o preconceito contra minorias e grupos à margem das normas da sociedade surge não de um argumento coerente, mas sim das crianças imitando o comportamento discriminatório dos adultos. Isto é algo que pode, deve, e vem sendo melhorado ao longo das gerações com uma nova educação mais inclusiva. O problema aqui não é político. É ético.
A Subversão da moral pela ética
Como dito anteriormente, a atuação política de libertários e progressistas é uma extensão das tecnologias com que trabalham, de forma que os valores das antigas tradições foram deixadas para trás. Nas palavras do pensador Ricardo Almeida, há uma derrota da moral e da filosofia para a técnica.
O que isso quer dizer? Bem… pense em coisas como a clonagem humana ou pais que manipulem genéticamente o próprio filho para que nasça com a aparência desejada (eugenia). Ambos são hoje mal vistos pela sociedade, mas tecnologicamente possíveis com relativa facilidade. O mesmo vale para a extrema sugestão de um professor de manter mulheres em estado vegetativo propositalmente vivas para que sejam usadas como barriga de aluguel para casais que querem ter filhos, mas não podem. São todas alternativas extremamente reprováveis hoje, mas o que as impede de se tornarem não só aceitas como também corriqueiras daqui 60 anos?
Esta é uma pergunta muito mais profunda do que realmente parece, afinal temos um viés otimista de ver as coisas que não queremos como impossíveis de acontecer. Deixe-me então lembrar-lhe do seguinte: 60 anos atrás, a sociedade como um todo via o aborto como o mais inadmissível dos tabus; no entanto, com o desenvolvimento de técnicas médicas mais seguras e acessíveis, como a contracepção moderna, e o avanço da tecnologia médica em prover novas técnicas de aborto seguro, o procedimento se tornou mais acessível, menos invasivo e com menores riscos para a saúde das mulheres; de forma que houve uma gradual mudança de opinião na sociedade para acomodar este novo paradigma até que, em 2021, a União Europeia declarou o aborto um direito humano.
Neste contexto, a submissão da moral pela técnica nada mais é do que, como no caso do aborto, os avanços tecnológicos tendo um impacto significativo na forma como as pessoas percebem e vivenciam a moralidade, influenciando as crenças e valores tradicionais. Isto implica que as decisões e comportamentos das pessoas são moldados, em certa medida, pela influência das inovações tecnológicas e suas consequências éticas.
E note: Isto é algo que não se resume apenas ao abandono de conceitos relacionados aos costumes, como a guerra às drogas ou à proibição do casamento LGBT+, pois inclui até mesmo de conceitos tidos como fundamentais e inquestionáveis, como a democracia e os direitos humanos; simplesmente porque não há mais nenhum freio moral para os limites da técnica. Tal qual foi com a guerra de navegadores, a constante competição entre as potências do mundo multipolar faz com que aquele que não abrir mão de seus princípios morais em nome da técnica fique para trás. Num mundo onde a moral foi derrotada pela técnica, rumamos a uma distopia cyberpunk.
O que fazer então? Sentar e chorar? A resposta continua a mesma: inovar.
A aliança pela ética
Há casos em que a moral ainda persiste, como no caso do desejo por privacidade online decorrente das revelações de Edward Snowden. Embora ainda vivamos num mundo extremamente monitorado, a demanda por privacidade atingiu também vários desenvolvedores e resultou não apenas no desenvolvimento de novas tecnologias para garantir a privacidade de seus dados, como também em restrições impostas, seja por demanda popular ou por lei, que resultaram na criação de políticas de privacidade. É um caso onde a nova abordagem de Snowden trouxe luz ao perigo trazido pela vigilância em massa e criou uma nova cultura que, mesmo minoritária, tem impactos contra o avanço da vigilância.
O caso de Snowden e da privacidade online precisa ser ampliado, pois o papel da ética online é fundamental diante dos avanços tecnológicos que ainda estão por vir. E isso tem de acontecer buscando inovar para encontrar novas formas de conscientização que possibilitem a preservação da ética e a resistência eterna contra abusos.
É importante relembrar sempre que progresso não é sinônimo de novidade; portanto, a adoção de novas ideias não deve acontecer simplesmente porque são recentes (aggiornamento), mas sim porque são melhores. Isso significa que é aceitável voltar atrás temporariamente para corrigir a rota e encontrar um avanço mais promissor. Afinal, foi o que aconteceu com o Windows 8, lembra?
O verdadeiro desafio está em, de maneira supranacional, desenvolver as restrições éticas ao avanço da técnica de modo que se crie um compromisso ético e a tecnologia possa avançar sem destruí-los.
A primeira vista, uma proposta assim parece irreal, quando não utópica. Ainda assim, este é o mesmo desafio que o Google agora enfrenta diante do TikTok e da IA, e ele ainda não desistiu: investindo para que sua ferramenta de pesquisa tenha a mesma capacidade de um ChatGPT, o Google aposta tudo o que tem para encontrar novas soluções inovadoras que o mantenham vivo no mercado como o gigante que é.
Da mesma forma, temos a vantagem de que valores como a democracia, a liberdade de expressão, de opinião, e o respeito aos direitos humanos ainda são parte do senso comum no ocidente, a nossa opção padrão. Embora hoje isso venha se deteriorando em velocidade recorde, é uma semente de esperança que nos dá mais tempo para encontrar soluções éticas ao problema da técnica. Cabe a nós, assim como o Google em sua luta por sobrevivência, inovar para que o pior não aconteça. Afinal, assim como o preço da liberdade é a eterna vigilância, o preço da ética é a eterna inovação.
*As opiniões do autor não representam a posição do Damas de Ferro enquanto instituição.
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