Frequentemente nos deparamos com um paradoxo na vida de estudos, afinal quanto mais estudamos, mais inteligentes ficamos, porém maior se torna a nossa exposição à nossa própria ignorância, em outras palavras, quanto mais você sabe, mais você sabe o que não sabe, como diz Sócrates “só sei que nada sei”. Deduz-se disso que uma vida de estudos disciplinada requer o mínimo de humildade epistemológica para guiar aquele que está a estudar na sua empreitada de obter conhecimento, afinal se você já tivesse o conhecimento que deseja, para que iria servir o estudo?
Dentro disso, nos deparamos com um problema: como nós podemos estudar, mas ao mesmo não tornarmos arrogantes devido a quantidade de conhecimento que iremos angariar com o tempo? Sem desconsiderar a sabedoria daqueles indivíduos que nunca abriram um livro na vida, que muitas vezes são analfabetos, mas que tem uma compreensão sobre a realidade muito acurada.
A democracia dos mortos
Certamente muitos jovens não valorizam tanto o conhecimento dos mais velhos hoje em dia, de modo que muitas vezes esses jovens olham os mais velhos como “retrógrados” ou, quando possuem boa vontade com os anciões, eles enxergam como “pessoas que viveram em outra época”.
Porém, existe algo que não pode ser negado por ninguém, todo jovem um dia irá se tornar velho e esse fato permeia todas as gerações, o que nos leva a seguinte reflexão sobre os mais velhos dos tempos correntes: você vive sobre o que eles construíram, em outras palavras, o seu presente é o futuro que os jovens do passado construíram. Jovens esses, que são os mais velhos de hoje. E para isso damos o nome de tradição.
Edmund Burke, um dos autores influentes dentro do pensamento conservador inglês, definiu a sociedade como uma associação entre os mortos, os vivos e os que irão nascer, uma aliança entre passado, presente e futuro. Normalmente, define-se esse conceito como “Democracia dos mortos” que nada mais é do que a ideia de que, os que vieram do passado, nos deram tudo que temos hoje: as construções, as ideias, os direitos, os costumes, os hábitos, tudo. Nós, que vivemos no presente, devemos manter isso e adicionar, se assim for possível, para os que irão nascer, assim repetindo o ciclo.
Ou seja, aquele senhor de 76 anos que mora no interior não é de modo algum “ignorante”, afinal ele carrega consigo uma quantidade incomensurável de conhecimento, traduzida de anos e anos de experiências acumuladas por milhares de gerações, assim como você, que no futuro será esse senhor. As pessoas comuns são ligadas a tradição, o que nós popularmente chamamos de “sabedoria”, nada mais é do que a ligação com esse fio condutor histórico, que carrega aquilo que as sociedades foram conservando por milênios, como Gilbert Keith Chesterton expõe de modo brilhante: em uma vila, todas as pessoas comuns contam as suas histórias que aprenderam com os seus pais, que receberam essas mesmas histórias de seus avós, porém o historiador é o único maluco que vai registrar essas histórias em um livro.
Longe de querer atacar historiadores, afinal ele próprio era um, Chesterton nos demonstra como a naturalidade da inteligência da população é passada de maneira orgânica e normalmente é o intelectual que tenta quebrar esse fio que é repassado naturalmente entre as pessoas, tentando construir uma linha teórica em cima disso, portanto a sua inteligência acadêmica, muitas vezes não é nada além da reprodução daquilo que os seus avós já sabem a muito tempo.
“A coisa mais extraordinário do mundo é um homem comum, uma mulher comum e seus filhos comuns” – G.K Chesterton
O problema da “inteligência mediana”
Certo, sabemos que o mero ato de estudar não o tornará, pelo menos efetivamente falando, mais inteligente, pois muito do que você irá deduzir a partir dos seus estudos, muitos já terão deduzido a partir da própria vivência de mundo, a questão que fica agora é: o que de fato irá diferenciar a opinião de alguém que estuda, daqueles que jamais estudaram?
Em outras palavras, como nós fazemos para definir quem é burro e quem é inteligente? Afinal de contas, normalmente utilizamos o critério de estudo formal para isso, mas quando esse critério torna-se inadequado, precisamos definir um novo. O que nós podemos observar dentro das estatísticas que buscam compreender os níveis médios de inteligência humana, feitos a partir dos resultados de teste de Q.I, é que existe um nível médio de inteligência, onde a maior parte das pessoas está localizada e um nível “inferior” e outro “superior”, composto por uma minoria de indivíduos.
Isso é o que os americanos chamam de “The midwit question”, que é o problema que muitas pessoas enfrentam atualmente, em relação aos estudos, o nível “mediano” de conhecimento. Esse problema foi muito bem documentado pelos pesquisadores David Dunning e Justin Kruger, que em suas pesquisas demonstraram um efeito interessante sobre como nós lidamos com a obtenção de conhecimento.
O efeito, denominado de acordo com o nome dos pesquisadores, chama-se “Efeito Dunning–Kruger, relata como os indivíduos com pouco conhecimento, após obterem uma quantidade mínima de informações, tendem a acreditar que sabem muito sobre o tema que estudaram, inclusive muitas vezes desenvolvendo uma arrogância perante a sua própria capacidade cognitiva. O que Dunning e Kruger demonstraram é que quanto mais o indivíduo vai estudando, maior é tendência dele diminuir a sua confiança, tornando-se mais “humilde”, podemos assim dizer, até que enfim ele retoma a confiança, porém com o entendimento muito maior sobre a suas próprias limitações acerca do conteúdo e de suas próprias capacidades.
O que isso tem a ver com o problema de inteligência “mediana”? Bom, é que a maioria dos indivíduos que se encontra na parte do meio do gráfico, acredita ter uma quantidade de conhecimento muito maior do que tem. Esses indivíduos, muitas vezes são domados pelo seu ego e carregados por uma arrogância que os torna cegos sobre suas próprias limitações, Thomas Sowell denomina esses agentes intelectuais como “os ungidos”, que nada mais são do que aqueles indivíduos que, por possuírem uma alta titulação acadêmica e às vezes uma grande quantidade de conhecimento em uma área específica, acreditam que podem opinar sobre tudo.
É o famoso caso do homem que possui doutorado em psicologia que se vê no direito de dar uma opinião com autoridade em música, utilizando-se de sua titulação acadêmica como argumento para isso: “eu estou certo, afinal eu tenho um doutorado e você não!”
Como nós possuímos uma abundância de informações, temos a tendência de achar que somos muito mais inteligentes do que de fato somos, é por isso que muitos jovens, ao lerem os primeiros livros começam a opinar sobre tudo. O problema é que uma grande parte dessas pessoas que começam a obter conhecimento, não sai da “inteligência mediana”, o que classificaria eles como “burros”, podemos assim dizer.
Com um pouco mais de estudo, os próprios poderiam reconhecer que a sua jornada os teria levado aonde a sociedade já tinha chegado a muito tempo e humildemente eles reconheceriam “Hahaha, não é que minha mãe estava certa esse tempo todo”. A diferença entre esse intelectual genuíno e o “cidadão médio”, é o aprofundamento e as bases que o intelectual tem para fundamentar e explicar as ideias. Dessa forma, entendemos que o intelectual é necessário, não para criar novas ideias, mas para entender aquelas que sempre estiveram em circulação.
“Dever-se-ia presumir que a maior parte das verdades não hipotéticas já foram descobertas e compreendidas muito tempo atrás e apenas precisam ser descobertas e compreendidas novamente por cada geração consecutiva.” – Hans-Hermann Hoppe, prefácio da obra “A ética da liberdade” de Murray N. Rothbard
As múltiplas inteligências
Compreendendo o vasto papel que cada um tem acerca do próprio conhecimento na sociedade, podemos lembrar da afirmação de Friedrich Hayek de que o conhecimento está disperso na sociedade, tendo isso em vista, é fácil lembrar que por mais inteligente que um indivíduo seja, ele é apenas um componente desse complexo mecanismo que nós chamamos de civilização. Porém, ao analisarmos a questão com maior profundidade, nos deparamos com outro problema: o que é “inteligência”?
Essa pergunta foi parcialmente respondida e expandida pelo pesquisador em psicologia americano Howard Gardner, em seu livro, lançado em 1983, “Frames of Mind: The Theory of Multiple Intelligences”, onde Gardner apresentou uma nova resposta ao que denominamos inteligência.
Em suas pesquisas, Howard notou a disparidade entre habilidades de diversas crianças acerca de atividades diferentes. Sua atenção acabou sendo voltada para correlações que algumas crianças apresentavam a despeito do número do seu Q.I
Em resumo, Howard Gardner elaborou uma teoria, corroborada pelos seus estudos e pesquisas realizadas com crianças, de que o Q.I, método prioritário para análise de inteligência de um indivíduo, utilizado nos Estados Unidos, não era suficiente para classificar a “inteligência” de cada indivíduo. Segundo Gardner, o Q.I seria uma ferramenta incompleta, pois analisava apenas um aspecto da capacidade de um indivíduo, dentre muitas outras.
Um dos testes feitos por Gardner, foi o desenvolvimento no aprendizado da música, mais especificamente do piano. Ele notou que, apesar das diferenças de Q.I, em seus testes algumas crianças que possuíam um número de Q.I menor, apresentavam um desenvolvimento da habilidade no instrumento musical consideravelmente maior, em comparação com os seus pares que possuem Q.I mais elevado.
Gardner notou que, apesar da compreensão da época sobre a inteligência, o Q.I não era suficiente para determinar a inteligência de uma pessoa, devido às suas inconsistências em se tratando de habilidades diferentes. É importante ressaltar, em nenhum momento Gardner afirmou que o Q.I não era uma métrica válida, pois existia uma correlação de crianças com Q.I elevado que tinha maior desenvolvimento na música também, o que Gardner definiu foi que essa correlação não necessariamente tinha relação com o Q.I.
Logo, a partir dos resultados obtidos através das pesquisas realizadas, Howard Gardner elaborou a “Teoria das múltiplas inteligências”, categorizando a inteligência humana em oito categorias (que posteriormente seriam questionadas por outros pesquisadores e/ou adicionadas outras novas categorias), que hoje é a forma com a qual nós medidos a “inteligência” de alguém.
Segundo Gardner, o Q.I serviria como parâmetro para inteligências específicas como capacidades lógico-matemáticas, espaciais e linguística. Com essa nova abordagem da inteligência proposta por Gardner, nós fomos capazes de compreender que existem outras formas muito válidas de inteligência que devem ser levadas em conta e que muitas vezes não serão desenvolvidas dentro de uma academia lendo livros.
Logo, aquilo que muitas vezes chamamos de “sabedoria”, pode na verdade apenas ser outras das múltiplas inteligências, que ao longo do tempo, fomos capazes de mapear. Tomamos como exemplo jogadores de futebol, muitas vezes taxados como burros, os jogadores de futebol, em sua maioria, apresentam um alto nível de inteligência espacial, devido a necessidade do esporte em enxergar espaços e calcular rotas (para a bola) em pouco tempo. Então, jogadores de futebol são burros? Depende, se estamos falando de futebol, definitivamente eles são inteligentes, se estamos falando de filosofia, bom isso vai depender do seu conhecimento sobre o tema.
Não tenho como objetivo aqui explicar cada uma das inteligências, até porque hoje em dia considera-se mais do que foi proposto por Gardner, meu objetivo é ressaltar um erro crasso que muitas vezes algumas pessoas mais “estudiosas” cometem que é acreditar que a sua grande habilidade dentro de uma das três áreas (ou das três): lógico-matemática, espacial e linguística (inteligências que utilizam o Q.I como parâmetro), as coloca acima de outros indivíduos que não as tem tão desenvolvidas.
Só sei que nada sei
Bom, foi possível observar que é ao menos questionável fazer juízos sobre o próprio conhecimento, tendo em vista que dificilmente você terá algo a ganhar com isso. Logo, porque não simplesmente estudar para obter conhecimento? Parece ser o melhor negócio disponível.
A própria definição de inteligência também não é fácil, sendo assim, chamar-se ou intitular a si mesmo como um grande gênio, pode ser um erro grave, entendo que a grande variação que a inteligência humana está submetida, pode lhe beneficiar em algumas áreas, porém lhe prejudicar em outras.
Quanto à compreensão do que determina a inteligência de uma pessoa, devemos sempre lembrar da frase de Newton: “Se cheguei até aqui foi porque me apoiei no ombro dos gigantes.” Não nos deixemos seduzir pela nossa quantidade limitadíssima de conhecimento e até mesmo, caso você se torne um dos que saia do meio do gráfico de inteligência, no final da jornada você descobrirá que no fim das contas: a distância entre Platão e a dona Edna é capacidade de articular os seus próprios pensamentos e não os pensamentos em si.
*As opiniões do autor não representam o Damas de Ferro enquanto instituição